sexta-feira, 10 de abril de 2015

Azedo Gneco – Jornalista, escritor, politíco e gravador



Azedo Gneco





GNECCO, Azedo – Definições e Esclarecimentos. Por... Lisboa, Instituto Geral das Artes Graphicas, Sociedade Cooperativa Limitada, [190-]. In-8º (15cm) de 14, [2] p. ; B. Bibliotheca Socialista, N.º 5.
Raríssimo opúsculo da autoria de Azedo Gneco, membro fundador do Partido Socialista Português, cuja acção política e pedagógica não teve divulgação impressa. Tanto quanto foi possível apurar, não existe bibliografia conhecida do destacado dirigente socialista.
"Convencionou-se chamar movimento operario ao conjuncto de esforços pela remodelação egualitaria das sociedades, hoje baseadas na preponderancia do Capital. Este movimento, empírico e apaixonado nos seus primeiros dias, como o fôra durante o largo periodo da sua gestação, tornou-se ultimamente scientifico, positivo e tranquillo, tendo adquirido todos os elementos componentes do seu triumpho e da estabilidade da sua victoria." (excerto do texto, Individualismo e Socialismo)

Matérias:
- Individualismo e Socialismo.
- A acção politica.
- A Republica Social : palestra.

Exemplar brochado em bom estado de conservação.
Raro.
Sem indicação de registo na BNP (Biblioteca Nacional), ou em outra qualquer fonte bibliográfica.
[30€]


Azedo Gneco a discursar 
[Autor Imagem em domínio público]

Eudócio César Azedo Gneco, mais conhecido por Azedo Gneco, de ascendência italiana, nasceu em Samora Correia (Benavente) em 1849 e faleceu em Lisboa a 29 de Junho de 1911.

Creio que seja mais conhecido dos filatelistas do que dos bibliófilos, que é precisamente uma das razxões deste apontamento.

Foi gravador de profissão, medalhista e aprendiz de escultor, a partir de 1865 trabalhou como operário gravador na Casa da Moeda de Lisboa, onde conquistou alguma reputação enquanto abridor de cunhos e medalhas, mas também, como gravador tipográfico.
São da sua autoria diversos desenhos de selos, entre os quais o selo para jornais de 2,5 réis (1), um dos mais circulados em Portugal nos finais do século XIX.


Selo para jornais de 2,5 réis

Da emissão de 1884/87 – D. Luiz I (novos valores), em que foi utilizado o busto gravado por Eugéne Mouchon, com cercaduras gravadas por Venâncio Pedro de Macedo Alves, que só não executou o trabalho da cercadura do selo de 25 reis, que é da autoria de Eudócio César de Azedo Gneco.


Selo 25 réis da série de 1884/87

Para além da sua actividade como gravador, ao longo da sua carreira dedicou-se a outras actividades, como a estampagem de tecidos e a galvanoplastia, produzindo trabalhos de reconhecida qualidade.
Desde cedo revelou interesse pela política, tendo iniciado a sua actividade política e sindical no Centro Promotor de Melhoramentos das Classes Laboriosas, no qual ocupou funções de destaque, ao mesmo tempo que frequentava reuniões de várias sociedades secretas.


Maçonaria

Por volta de 1870 tornou-se membro da Maçonaria, tendo chegado a venerável da Loja Razão e Justiça, mas afastar-se-ia a partir de 1873.

Em 1871, na sequência da visita a Lisboa de três dirigentes socialistas espanhóis, vindos como emissários da Associação Internacional dos Trabalhadores (I Internacional), adere às ideias revolucionárias defendidas por aquela associação.

Fez parte da Federação Portuguesa, integrando o Grupo da Democracia Socialista (DS), conhecido pela Secção do Monte Olivete, o qual deu origem à Associação Protectora do Trabalho Nacional, de tendência antiautoritária bakuninista.


Mikhail Aleksandrovitch Bakunin (2)

Após a extinção do Centro Promotor de Melhoramentos das Classes Laboriosas, em 1872, participou no esforço conjunto com a Fraternidade Operaria (FO), liderada por José Fontana, tentando levar a cabo em Portugal um trabalho de organização e teorização revolucionária do proletariado. Com esse objectivo, colaborou intensamente no Pensamento Social, o jornal da Fraternidade Operária.

Aderiu às ideias do Congresso de Haia (1872) da Associação Internacional dos Trabalhadores, passando a pugnar pela organização dos partidos operários nacionais e opondo-se ao anarquismo.


Barricadas erguidas pelos communards em frente à Igreja da Madalena
Comuna de Paris (3)

Com o fracasso das ideias socialistas após o fim da Comuna de Paris [A Comuna de Paris foi o primeiro governo operário da história, fundado em 1871 na capital francesa por ocasião da resistência popular ante a invasão por parte do Reino da Prússia] e as tentativas revolucionárias em Portugal, envolveu-se na organização da Associação dos Trabalhadores, associação criada por fusão entre a Fraternidade Operária e a Associação do Trabalho Nacional


José Fontana (4)
(in Cruzeiro, Maria Manuela – Vida e acção de José Fontana (capa)
BN H.G. 39495 V.)

Em resultado da conjugação de esforços com José Fontana, a Associação dos Trabalhadores conseguiu reunir cerca de 3 000 sócios, assumindo largamente o papel de liderança do movimento operário que o Centro Promotor de Melhoramentos das Classes Laboriosas havia ocupado nas décadas anteriores.

Azedo Gneco estabelece contactos próximos com a Associação Internacional dos Trabalhadores chegando, em 18 de Março de 1873, a ser eleito secretário-geral da Associação Socialista, a secção lisboeta da AIT.

Defensor dos ideais republicanos, foi um dos fundadores do Centro Republicano Federal, visto considerar que apenas a implantação da República podia abrir caminho ao avanço do socialismo em Portugal.

Dando seguimento às orientações do Congresso de Haia, a 10 de Janeiro de 1875, com José Fontana, Nobre França, José Caetano da Silva, José Tedeschi e António Joaquim de Oliveira, fundou o Partido Socialista Português, aderente à Primeira Internacional, de orientação marxista, mas com forte presença federalista e proudhoniana.

Proudhon e as suas filhas numa tarde de primavera,
retratados peloseu amigo, o pintor Gustave Courbet, no ano de 1865. (5)

Durante a década de 1870, Azedo Gneco manteve relações epistolares com Karl Marx e com Friederich Engels, proximidade que explica a sua adesão às teses do Congresso de Haia e o facto de ter sido eleito o secretário-geral da secção portuguesa da Associação Internacional de Trabalhadores.


Karl Marx (6) e Friedrich Engels (7)

No Partido Socialista Português, particularmente após a morte de José Fontana, assume posição de liderança, optando pela vertente mais marxista, contrariando o republicanismo, o chamado possibilismo e, principalmente, o anarquismo, corrente em grande crescendo e progressivamente dominante nas organizações laborais através do anarco-sindicalismo.

Refira-se que o anarco-sindicalismo teve forte preponderância no movimento operário dos países do Sul da Europa (em particular Portugal, Espanha e Itália) ao contrário da vertente mais marxista das suas congéneres do Norte da Europa.

Manteve-se na liderança do partido até 1878, mas já não consta nos órgãos directivos de 1879 e 1880, mas as divergências internas que deram origem à sua saída, levaram a várias cisões do Partido, seguidas de efémeras recomposições, donde resultou um conturbado debate ideológico que se prolongaria até finais do século XIX.

Após a cisão originada do confronto com os ideais possibilistas em 1890, Azedo Gneco, juntamente com Nobre França e Ramos Lourenço, esteve ligado à criação da Liga de Democracia Socialista.

Organizou o Congresso Nacional Operário de 1893 e um Congresso Anticatólico em 1895, eventos que o afirmaram como um político da extrema-esquerda portuguesa da época.

Em 1896 participa como delegado português no Congresso Socialista realizado em Londres. Nessa mesma cidade e ano (os Congressos eram coincidentes dadas as dificuldades organizativas do movimento operário), participou no Congresso de Litógrafos, em representação da Liga de Artes Gráficas do Porto.
Regressou à estrutura dirigente do socialismo português em 1895, já numa facção dissidente, passando em 1905 a fazer parte da Federação Regional do Sul do Partido Socialista Português, da qual foi dirigente em 1907, 1909 e 1910.

Em 1899 fez parte da missão operária que visitou a Exposição Universal de Paris.

Em 1901 defende a formação de uma aliança com os republicanos, contrariando a orientação maioritária dos outros grupos que se reclamavam socialistas. Essa aliança não foi feita, havendo sempre grande hostilidade por parte do Partido Republicano Português em relação aos socialistas.

Esse afastamento permitiu que, a partir de 1907, o Partido Socialista Português se tenha afastado da aliança com os republicanos, a ponto de receber o apoio discreto do rei D. Manuel II de Portugal às suas reclamações de melhoria das condições de trabalho do operariado.


Rei D. Manuel II de Portugal

Após terem sido reveladas as cartas trocadas com o rei deposto, os socialistas são muito criticados pelos republicanos e Azedo Gneco, próximo de alguns governantes e figuras destacadas da monarquia, é particularmente visado. Perante a degradação da sua imagem pública, opta por um afastamento da política entre 1908 e 1910, num sentimento de grande descrença nas ideias republicanas e socialistas.


A proclamação da República Portuguesa

A implantação da República Portuguesa, em 1910, reduz substancialmente a capacidade mobilizadora do Partido Socialista Português, abatido pela vitória esmagadora do Partido Republicano Português e pela sua tomada do aparelho do Estado.

A partir de então o Partido Socialista Português entre em franco declínio, já que os trabalhadores aderiram em massa aos ideais do anarco-sindicalismo, doutrina que se revigorou e conheceu os seus tempos áureos durante a Primeira República Portuguesa (1910-1926).

Azedo Gneco foi por diversas vezes candidato a deputado, mas nunca conseguiu os votos necessários para ser eleito.


O Protesto: orgão do Partido Socialista
[Anno II, nº 53 (Agosto.1876)]


O Protesto - Jornal do Partido dos Operários Socialistas
[VIIII Anno n.º 333 (1. Janeiro. 1882)]

Homem das letras e bom orador, distinguiu-se como publicista e conferencista, produzindo algumas polémicas relevantes. Foi colaborador assíduo de A Vanguarda, O País e O Século e um dos fundadores dos jornais socialistas O Protesto (1875) e o Protesto Operário (8), de que foi director. Também dirigiu A Folha do Povo. Para além daquelas participações regulares, conhecem-se colaborações de Azedo Gneco em múltiplas publicações periódicas, entre as quais: Actualidade, Rebate, O Revolucionário (9), Operário, Trabalhador, A Federação, Livre Pensamento, O Primeiro de Maio, A República Social, A Voz do Operário, O Pensamento Social e O Bom Senso.


O revolucionario: folha socialista / ed. resp. Paulo da Fonseca
[Anno I, nº 1 (18 Mar. 1893)]

Escritor panfletário de mérito, foi autor da grande maioria da propaganda socialista vinda a lume no seu tempo. Era também um dos mais conhecidos oradores do Partido Socialista, capaz de galvanizar multidões.

Azedo Gneco faleceu a 29 de Junho de 1911, estando sepultado num túmulo, construído por subscrição pública, no Cemitério dos Prazeres, junto ao seu camarada José Fontana.

Aqui fica um “pedaço de história” como resultado de uma modesta pesquisa sobre um opúsculo quase despercebido na galeria das “montras virtuais” das livrarias-antiquárias.

Continuo a pensar que tão importante como possuirmos bons exemplares (e como eu gostaria de ter muitos mais na minha biblioteca…) é sabermos o seu significado – seja ele literário, cultural ou político – só assim entendo o bibliófilo completo. 
(que nada tem a ver com o bibliófilo investidor!)
Mas nem sempre são os clássicos de quem quase todos já falaram, mas pequenas publicações (muitas vezes simples opúsculos) que nos dão a possibilidade de analisar episódios, ou o pensamento, duma determinada época, na sua forma ainda pura e não interpretativa, pois que para isso teremos os historiadores.

Saudações bibliófilas


Notas:

(1) Reduzida a franquia dos jornais de 5 para 2.5 reis, estudou-se um novo selo, que pelo grande consumo previsto, deveria ser emitido mais economicamente do que os até então impressos em relevo. Assim, foi este o primeiro selo do Continente Português, impresso sem relevo e pelo sistema tipográfico. O desenho e a gravura são da autoria de Eudócio César de Azedo Gneco, gravador da Casa da Moeda. Assim em 1876 foram emitidos 98.327.064 em papel liso fino ou médio em folhas de 28 selos.

(2) Mikhail Bakunin – Wikipedia (http://pt.wikipedia.org/wiki/Mikhail_Bakunin)

(3) Comuna de Paris – Wikipedia (http://pt.wikipedia.org/wiki/Comuna_de_Paris)

(4) José Fontana – Wikipedia (http://pt.wikipedia.org/wiki/Jos%C3%A9_Fontana)

(5) Pierre-Joseph Proudhon – Wikipedia (http://pt.wikipedia.org/wiki/Pierre-Joseph_Proudhon)

(6) Karl Marx – Wikipedia  (http://pt.wikipedia.org/wiki/Karl_Marx)

(7) Friedrich Engels – Wikipedia (http://pt.wikipedia.org/wiki/Friedrich_Engels)

(8) O Protesto Operário: orgão do Partido Operário Socialista. - A. 1, nº 1 (5 mar. 1882) - a. 10, nº 596 (22 abr. 1894). - Lisboa. - Porto : P.O.S., 1882-1894.[Dirigido por Luís Figueiredo e contando com colaboradores como Angelina Vidal, Azedo Gneco, Nobre França, Gedes Guinhones, Fernando Alves, Viterbo de Campos, Manuel José da Silva, Ramos Lourenço, etc.]
(Versão digitalizada acessível na BNP em: http://purl.pt/24870)

(9) O Revolucionario: folha socialista / ed. resp. Paulo da Fonseca. - A. 1, nº 1 (18 Mar. 1893) -s. 2, a. 4, nº 17 (18 Out. 1896). - Lisboa: P. da Fonseca, 1893-1896. [Órgão do Partido Socialista Português, ligado à tendência marxistas de Azedo Gneco. Editor: António Augusto Marques; Dir. Azedo Gneco; Redactor: Sousa Neves; Colaboradores: Bartolomeu Constantino, Sotomayor Júdice, Angelina Vidal, entre outros].
(Versão digitalizada acessível na BNP em: http://purl.pt/24875)


Fontes consultadas:

Almanaque Republicano:

Azedo Gneco – Wikipedia

KULLBERG, Carlos – Selos de Portugal – Album I (1853/1910)

StampsPortugal



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