Luis Bernardo Honwana
Luís Bernardo Honwana (1) nasceu na cidade de Lourenço Marques (actualmente Maputo) em 1942. Cresceu em Moamba, no interior, onde seu pai trabalhava como intérprete. Aos 17 anos foi para a capital estudar jornalismo. O seu talento foi descoberto por José Craveirinha, famoso poeta moçambicano.
Em 1964, Honwana tornou-se um militante da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) que tinha como propósito conseguir a libertação de Moçambique de Portugal.
Devido às suas actividades políticas, em 1964, foi preso pela polícia política. Permaneceu encarcerado por três anos pelas autoridades coloniais.
HONWANA, Luis Bernardo – Nós Matámos o Cão Tinhoso (2)
Lourenço Marque, Sociedade de Imprensa de Moçambique, 1964.
1ª edição. 135 págs. In 8º. Encadernado.
Ilustrações de Bertina (fragmentos de desenho)
Foi durante o tempo passado na prisão que escreveu o seu único livro, Nós Matámos o Cão-Tinhoso, com o objectivo de demonstrar o racismo do poder colonial português. O livro chegou a exercer uma influência importante na geração pós-colonial de escritores moçambicanos. Muitos dos contos, escritos em português europeu padrão, são narrados por crianças. O universo social e cultural moçambicano durante a época colonial é o centro da análise das narrativas de Nós Matámos o Cão-Tinhoso. De acordo com Manuel Ferreira, “Os contos de Nós Mátamos o Cão-Tinhoso apresentam-nos questões sociais de exploração e de segregação racial, de distinção de classe e de educação”. Cada personagem em cada conto representa uma diferente posição social (branco, assimilado, indígena e/ou mestiço).
HONWANA, Luis Bernardo – Nós Matámos o Cão Tinhoso
Lourenço Marque, Sociedade de Imprensa de Moçambique, 1964.
1ª edição. 135 págs. In 8º. Encadernado.
Ilustrações de Bertina (fragmentos de desenho)
Após a independência, Honwana foi alto funcionário do governo e presidente da Organização Nacional dos Jornalistas de Moçambique. Desempenhou também funções de director do gabinete do Presidente Samora Machel e Secretário de Estado da Cultura.
Bibliografia:
Publicou Nós Matámos o Cão-Tinhoso em 1964. Livro que foi de imediato apreendido pela PIDE, o que o torna raríssimo na sua edição original. Em 1969, ainda em pleno colonialismo e com a guerra colonial no auge, a obra é publicada em língua inglesa (com o título de We Killed Mangy-Dog and Other Stories) e obtém grande divulgação e reconhecimento internacional, vindo a ser traduzida para vários outros idiomas.
HONWANA, Luis Pedro – Nosotros matamos al Perro-Tiñoso
(tradução em espanhol)
Editorial Baobab, 2008. 167 págs. Brochura.
Nós Matámos o Cão-Tinhoso é um livro de sete contos da autoria do escritor moçambicano Luís Bernardo Honwana, publicado em 1964 e considerado uma obra fundacional da literatura moçambicana moderna. Os contos incluídos no livro são “Nós Matámos o Cão-Tinhoso”, “O Dina”, “Papa, Cobra, Eu”, “As Mãos dos Pretos”, "Inventário de Imóveis e Jacentes”, "A Velhota" e "Nhinguitimo".
HONWANA, Luis Bernardo – Nós Matámos o Cão Tinhoso
(capa da brochura)
Lourenço Marque, Sociedade de Imprensa de Moçambique, 1964.
1ª edição. 135 págs. In 8º. Encadernado.
Ilustrações de Bertina (fragmentos de desenho)
O aparecimento desta obra estabeleceu um novo paradigma para o texto narrativo moçambicano. Na escrita dos contos que compõem o volume, Honwana favorecia um estilo simples e económico, prestando atenção aos aspectos visuais das histórias.
Um dos seus contos "As mãos dos pretos" foi registado no livro "Contos Africanos dos países de língua portuguesa", junto a outros contos dos autores Albertino Bragança, Boaventura Cardoso, José Eduardo Agualusa, Luandino Vieira, Mia Couto, Nelson Saúte, Odete Semedo, Ondjaki e Teixeira de Sousa. Todos estes autores vivem ou viveram em países africanos de língua oficial portuguesa.
Luis Bernardo Honwana
Nota do autor na contracapa da 1ª edição:
“Não sei se realmente sou escritor. Acho que apenas escrevo sobre coisas que, acontecendo à minha volta, se relacionem Intimamente comigo ou traduzam factos que me pareçam decentes. Este livro de histórias é o testemunho em que tento retratar uma série de situações e procedimentos que talvez interesse conhecer.
Chamo-me Luís Augusto Bernardo Manuel. O apelido Honwana não vem nos meus documentos. Sou filho de Raul Bernardo Manuel (Honwana) e de Nally Jeremias Nhaca. Ele intérprete da administração da Moamba e ela doméstica. Tenho oito irmãos.
Nasci em Lourenço Marques, em 1942, e vivi com os meus pais, na Moamba, até aos 17 anos. Actualmente moro no Xipamanine, em Lourenço Marques, e além de frequentar o liceu, sou jornalista.
We Killed Mangy-Dog & other Mozambiqu stories
(Tradução inglesa)
As minhas primeiras histórias datam do início da antiga página literária juvenil do jornal «Notícias», o «Despertar». Todavia quase os contos que agora são publicados começaram a ser feitos anteriormente, quando ainda não dava tanta atenção ao que de vez em quando me dava para escrever. Foi numa altura em que, embora praticasse desportos muito intensamente, um grupo de jornalistas, pintores e poetas ajudou-me a ler uma quantidade de livros importantes, levou-me a ver filmes que tinham de ser vistos e emprestou-me algumas das suas preocupações. Entretanto estudei desenho e pintura durante algum tempo e participei com vários trabalhos em exposições de arte. Também escrevi coisas para filmes que não se fizeram e pertenci a uma equipa que começou a fazer um filme e desistiu antes do fim.
Depois do «Despertar», Eugénio Lisboa, Rui Knopfli e José Craveirinha entusiasmaram-me, publicando algumas das minhas histórias em jornais. Há pouco tempo o Rancho, que tornou possível o aparecimento deste livro, falou-me pela primeira vez em editar alguns contos em livro.
Para a capa e para ilustrar as histórias aproveitaram-se fragmentos de desenhos que a Bertina tinha feito sem conhecer os meus escritos o que o Pancho usou depois de ver que as coisas que os desenhos contam são parecidas com as histórias que fiz. O pedaço de inventário é de um inventário verdadeiro: a mão d'As mãos dos pretos é a minha.”
Esta obra seria adaptada ao teatro pelo grupo O Bando em 2010 (entre muitas outras adaptações) e levado à cena de 20 de Maio a 20 de Junho de 2010, de Quinta a Domingo, às 22h:
- 20 de Maio a 6 de Junho na EB1 nº 2 de Palmela, Palmela;
- 10 a 20 de Junho no Teatro O Bando, Palmela.
Nós Matámos o Cão Tinhoso – Teatro O Bando
O Teatro O Bando convidou Rui Júnior a fazer a coordenação musical do espectáculo Nós Matámos o Cão Tinhoso a partir de um conto de Luís Bernardo Honwana com dramaturgia e encenação de Nuno Pino Custódio.
Sobre esta adaptação, Rui Júnior comentou:
“Tentei ilustrar musicalmente esta peça: pintá-la com sonoridades, ora com salpicos calmos e tranquilos, ora com pinceladas desenfreadamente tensas, preencher-lhe espaços sem lhe retirar os silêncios e as respirações. Antes de perceber há que ter vivido e encontrar, na nossa própria experiência de vida, o que o autor transmite, o que a música contida na narrativa nos faz ouvir: é neste espaço da nossa própria imaginação de espectador e ouvinte que encontramos a verdadeira percepção do que as obras tentam e por vezes conseguem conter e contar.”
HONWANA, Luis Bernardo – Nós Matámos o Cão Tinhoso e outros contos
Livros Cotovia, 2008, Colecção: Livros de Bolso
ISBN: 978-972-795-261-8
Para vossa apreciação aqui fica o registo de um dos mais belos contos deste livro:
AS MÃOS DOS PRETOS
"Já nem sei a que propósito é que isso vinha, mas o Senhor Professor disse um dia que as palmas das mãos dos pretos são mais claras do que o resto do corpo porque ainda há poucos séculos os avós deles andavam com elas apoiadas ao chão, como os bichos do mato, sem as exporem ao sol, que lhes ia escurecendo o resto do corpo.
Lembrei-me disso quando o Senhor Padre, depois de dizer na catequese que nós não prestávamos mesmo para nada e que até os pretos eram melhores do que nós, voltou a falar nisso de as mãos deles serem mais claras, dizendo que isso era assim porque eles, às escondidas, andavam sempre de mãos postas, a rezar.
Eu achei um piadão tal a essa coisa de as mãos dos pretos serem mais claras que agoraé ver-me a não largar seja quem for enquanto não me disser porque é que eles têm as palmas das mãos assim tão claras. A Dona Dores, por exemplo, disse-me que Deus fez-lhes as mãos assim mais claras para não sujarem a comida que fazem para os seus patrões ou qualquer outra coisa que lhes mandem fazer e que não deva ficar senão limpa.
As Mãos dos Pretos
O Senhor Antunes da Coca-Cola, que só aparece na vila de vez em quando, quando as coca-colas das cantinas já tenham sido todas vendidas, disse-me que tudo o que me tinham contado era aldrabice. Claro que não sei se realmente era, mas ele garantiu-me que era. Depois de eu lhe dizer que sim, que era aldrabice, ele contou então o que sabia desta coisa das mãos dos pretos. Assim:
“Antigamente, há muitos anos, Deus, Nosso Senhor Jesus Cristo, Virgem Maria São Pedro, muitos outros santos, todos os anjos que nessa altura estavam no céu e algumas pessoas que tinham morrido e ido para o céu, fizeram uma reunião e decidiram fazer pretos. Sabes como? Pegaram em barro, enfiaram-no em moldes usados e para cozer o barro das criaturas levaram-nas para os fornos celestes; como tinham pressa e não houvesse lugar nenhum, ao pé do brasido, penduraram-nas nas chaminés. Fumo, fumo, fumo e aí os tens escurinhos como carvões. E tu agora queres saber porque é que as mãos deles ficaram brancas? Pois então se eles tiveram de se agarrar enquanto o barro deles cozia?!”.
Depois de contar isto o Senhor Antunes e os outros Senhores que estavam à minha volta desataram a rir, todos satisfeitos.
Nesse mesmo dia, o Senhor Frias chamou-me, depois de o Senhor Antunes se ter ido embora, e disse-me que tudo o que eu tinha estado para ali a ouvir de boca aberta era uma grandessíssima pêta. Coisa certa e certinha sobre isso das mãos dos pretos era o que ele sabia: que Deus acabava de fazer os homens e mandava-os tomar banho num lago do céu. Depois do banho as pessoas estavam branquinhas. Os pretos, como foram feitos de madrugada e a essa hora a água do lago estivesse muito fria, só tinham molhado as palmas das mãos e as plantas dos pés, antes de se vestirem e virem para o mundo.
HONWANA, Luis Bernardo – Nós Matámos o Cão Tinhoso
Afrontamento Editora. (3)
Brochura.
Mas eu li num livro que por acaso falava nisso, que os pretos têm as mãos assim mais claras por viverem encurvados, sempre a apanhar o algodão branco de Vírginia e de mais não sei aonde. Já se vê que a Dona Estefânia não concordou quando eu lhe disse isso. Para ela é só por as mãos desbotarem à força de tão lavadas.
Bem, eu não sei o que vá pensar disso tudo, mas a verdade é que ainda que calosas e gretadas, as mãos dum preto são sempre mais claras que todo o resto dele. Essa é que é essa!
A minha mãe é a única que deve ter razão sobre essa questão de as mãos de um preto serem mais claras do que o resto do corpo. No dia em que falámos disso, eu e ela, estava-lhe eu ainda a contar o que já sabia dessa questão e ela já estava farta de se rir. O que achei esquisito foi que ela não me dissesse logo o que pensava disso tudo, quando eu quis saber, e só tivesse respondido depois de se fartar de ver que eu não me cansava de insistir sobre a coisa, e mesmo assim a chorar, agarrada à barriga como quem não pode mais de tanto rir. O que ela me disse foi mais ou menos isto:
HONWANA, Luis Bernardo – Nós Matámos o Cão Tinhoso.
(edição brasileira)
Ática , 1980. Coleção Autores Africanos n.º 4.
1ª edição. 96 págs. Brochura.
ISBN: 8508050410
“Deus fez os pretos porque tinha de os haver. Tinha de os haver, meu filho, Ele pensou que realmente tinha de os haver... Depois arrependeu-se de os ter feito porque os outros homens se riam deles e levavam-nos para as casas deles para os pôr a servir como escravos ou pouco mais. Mas como Ele já não os pudesse fazer ficar todos brancos porque os que já se tinham habituado a vê-los pretos reclamariam, fez com que as palmas das mãos deles ficassem exactamente como as palmas das mãos dos outros homens. E sabes porque é que foi? Claro que não sabes e não admira porque muitos e muitos não sabem. Pois olha: foi para mostrar que o que os homens fazem, é apenas obra dos homens... Que o que os homens fazem, é feito por mãos iguais, mãos de pessoas que se tiverem juízo sabem que antes de serem qualquer outra coisa são homens. Deve ter sido a pensar assim que Ele fez com que as mãos dos pretos fossem iguais às mãos dos homens que dão graças a Deus por não serem pretos”.
Depois de dizer isso tudo, a minha mãe beijou-me as mãos.
Quando fugi para o quintal, para jogar à bola, ia a pensar que nunca tinha visto uma pessoa a chorar tanto sem que ninguém lhe tivesse batido."
Espero ter despertado a vossa atenção para este livro e sobretudo para o seu autor.
Saudações bibliófilas.
Notas:
(1) Para um melhor conhecimento da sua personalidade e ideais leia-se: “A cultura é o cimento mais adequado à construção dum novo país” entrevista de Helder Fernando em 22/10/2010
(2) Veja-se: Nós matámos o cão tinhoso
Después de una recomendación así lo buscaré en la traducción castellana que recomiendas que seguramente tendrán en la Llibreria La Ploma de Barcelona, especializada en lituratura africana.
ResponderEliminarGracias por este completo informe sobre "Nós matámos a cao tinhoso" y su autor.
Rui, confesso que desconhecia este livro e seu autor. Agradeço por me apresentar-lhe, mostrando este conto tão simples e tão belo.
ResponderEliminarProcurarei um exemplar para leitura.
Abraços.
Galderich e Angelo,
ResponderEliminarEste livro foi escrito num período muito conturbado da nossa história recente, pois estávamos no início da guerra colonial.
Só alguns anos mais tarde seria republicado na sequência de uma certa “abertura” do antigo regime.
Hoje com “algumas feridas” da descolonização o autor e, como tal a sua única obra, caíram um pouco no esquecimento.
Bibliofilicamente falando a edição original – a de Lourenço Marques – é muito rara! No entanto, o livro pode ser encontrado com alguma facilidade em edições posteriores (e em diversos idiomas)
Tenho a certeza que vão gostar da leitura desta obra, que deve ser enquadrada no momento histórico que se vivia, para se ter uma melhor compreensão da mesma.
Não sendo um grande clássico representa um ponto importante na história da literatura moçambicana.
Um forte abraço