domingo, 17 de outubro de 2010

António Frederico de Castro Alves: Poeta dos Escravos




Jean Baptiste Debret (1) – Caçador de escravos, c. 1820-1830.
Museu de Arte de São Paulo.

"São os filhos do deserto,
Onde a terra esposa a luz.
Onde vive em campo aberto
A tribo dos homens nus...
São os guerreiros ousados
Que com os tigres mosqueados
Combatem na solidão.
Ontem simples, fortes, bravos.
Hoje míseros escravos,
Sem luz, sem ar, sem razão..."

Fragmento do poema O navio negreiro, escrito em 18 de Abril de 1869, quando Castro Alves tinha apenas 22 anos.

 
António de Castro Alves

António Frederico de Castro Alves (2) nasceu a 14 de Março de 1847 na Fazenda Cabaceiras, a 42 km da vila de Nossa Senhora da Conceição de "Curralinho", hoje cidade de Castro Alves, no estado da Baia. (BA) e faleceu em 6 de Julho de 1871 em Salvador da Baia (BA).

Considerado um dos mais brilhantes poetas românticos brasileiros, é chamado de "Poeta dos Escravos" pelo seu entusiasmo diante das grandes causas da liberdade e da justiça – a Independência na Baia, a insurreição dos negros de Palmares, o papel da imprensa, e acima de tudo isso a luta contra a escravidão. Foi o mais inspirado poeta condoreiro (3) do Brasil.


Condor dos Andes pássaro que representa a liberdade da América

Era filho de António José Alves, médico formado na Baia, e que depois estagiou em hospitais franceses - quem pagou a conta foi o futuro sogro, já que ele era um rapaz pobre, e de Clélia Brasília da Silva Castro, filha de José António da Silva Castro, o major “Periquitão”, o herói baiano das guerras da independência do Brasil.

Nascido na Fazenda Cabaceiras, fez  os seus primeiros estudos no município vizinho, Cachoeira.

Em 1858 o Dr. Alves reconstrói o solar de Boa Vista, e deseja que a sua esposa, mãe exausta de seis filhos e de saúde frágil, ali repouse e ganhe forças. Em vão, pois. D. Clélia morrerá em 1859, quando Castro Alves tem apenas 12 anos. O falecimento da sua esposa foi um desgosto e um problema para o seu pai: tinha de criar e educar os seis filhos do casal.

Em 1852 a família Alves muda-se, primeiro para Muritiba, depois para S. Félix (na margem do rio Paraguaçu) e, finalmente, no início de 1854, para Salvador, onde se instala na rua do Rosário, nº 1, num sobrado em que, seis anos antes, fora assassinada, pelo noivo, a formosa Júlia Feital, segundo a lenda, com uma bala de ouro.

Em 1855, o pai, abre um consultório no piso inferior do seu palacete da Rua do Paço.

Depois o Dr. Alves matricula-o, e ao seu irmão mais velho, José António, no Ginásio Baiano, fundado e dirigido por Abílio César Borges, futuro barão de Macaúbas, onde foi colega de Rui Barbosa. Este colégio estava a revolucionar a forma de ensino. Em vez de impor o estudo tradicional do latim e castigar os menos aplicados como era usual, empenha-se em premiar os alunos que mais se distinguem na interpretação de Virgílio, Horácio, Camões, Lamartine e Victor Hugo. Rui Barbosa (futuro líder republicano) e Castro Alves, para regozijo de colegas e professores, entram em frequentes despiques rimados, onde já demonstra a sua vocação para a poesia.


Rui Barbosa

Neste Colégio, e no lar por intermédio do seu pai, encontra uma atmosfera literária, produzida pelos “oiteiros”, ou saraus, festas de arte, música, poesia e declamação de versos.

O pai contraiu um segundo matrimónio, em 24 de Janeiro de 1862, com a viúva Maria Ramos Guimarães. Será ela o amparo das quatro crianças menores, um rapaz e três meninas, Guilherme, Elisa, Adelaide e Amélia.

No dia seguinte ao do casamento, o poeta e seu irmão José António partiram para o Recife, enquanto o pai se mudava para o solar do Sodré.

A 23 de Junho de 1862 publica, no “Jornal do Recife”, o poema A Destruição de Jerusalém.

Aos 16 anos foi para o Recife e começou os preparatórios para se habilitar à matrícula na Academia de Direito. Mas ao achar a cidade insípida, dedicou-se á boémia e aos amores. Escreve as primeiras poesias: Pesadelo, Meu Segredo (já inspirado pela actriz Eugenia Câmara), Cansaço, Noite de Amor. No dia 17 de Maio de 1863, Castro Alves publicou no primeiro número de “A Primavera” o seu primeiro poema contra a escravidão: A canção do africano. No dia 10 de Novembro de 1863 recitaria os primeiros versos numa festa no Ginásio Português.


Jean-Baptiste Debret: Castigo de escravo – Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil (1834-1839)

Em Maio, submeteu-se à prova de admissão para o ingresso na Faculdade de Direito do Recife, mas como resultado dessa vadiagem foi a reprovação no exame de Geometria.

Entusiasmado com as ideias liberais e abolicionistas dos jovens académicos da época, dedica-se à poesia e ao desenho, frequenta os teatros e começa a publicar os seus versos na imprensa.

Embora não tenha sido admitido na Faculdade, tornar-se-ia nesta mesma cidade do Recife, num tribuno e poeta sempre requisitado nas sessões públicas da Faculdade, nas sociedades estudantis, na plateia dos teatros, incitado desde logo pelos aplausos e ovações, que começava a receber e iam num crescendo de apoteose.


António de Castro Alves

Era um belo rapaz, de porte esbelto, tez pálida, grandes olhos vivos, negra e basta cabeleira, voz possante, dons e maneiras que impressionavam a multidão, impondo-se à admiração dos homens e arrebatando paixões às mulheres.

São deste período as suas primeiras paixões, que nos dá conta nos seus versos e que são alguns dos mais belos poemas líricos do Brasil.


Eugénia Câmara

Em 1863 a actriz portuguesa Eugénia Câmara (dez anos mais velha do que ele), vinda ao Brasil com Furtado Coelho, com quem vivia, apresentou-se no Teatro Santa Isabel (4) e terá uma Influência decisiva na sua vida.


Teatro Santa Isabel no Recife

A tuberculose manifestou-se igualmente neste ano de 1863, quando teve uma primeira hemoptise.

Em 1864 o seu irmão José António, que sofria de distúrbios mentais, desde a morte de sua mãe, suicidou-se em Curralinho.

Escreve Mocidade e Morte, com o título primitivo de O Tísico, no qual demonstra já a maturidade do poeta.

Consegue finalmente neste ano matricular-se na Faculdade de Direito do Recife, onde se destaca mais pelos poemas recitados nos teatros e comícios estudantis, muitas vezes de improviso, do que pela aplicação nos estudos. Redige com colegas o jornal “O Futuro”. Nesse período conhece Tobias Barreto, a quem tanto admirava e cujas ideias liberais, passou a seguir.


Fagundes Varela

Em Outubro viaja para a Baia, interrompendo o curso. Só retornará ao Recife em 18 de Março de 1865, acompanhado por Fagundes Varela.

O seu primeiro grande sucesso público acontece na data comemorativa da abertura dos cursos jurídicos, em 11 de Agosto de 1865, quando recita O Século no salão de honra da Faculdade. Nesse mesmo mês, começa a preparar o livro Os Escravos. Divide seu tempo entre a poesia libertária, as actividades académicas e Idalina, companheira quase desconhecida, com quem vive num bairro retirado do Recife, onde escreve diversos poemas de Os escravos.

Alistou-se a 19 de Agosto no Batalhão Académico de Voluntários para a Guerra do Paraguai. Em 16 de Dezembro, voltou com Fagundes Varela a Salvador.


Guerra do Paraguai
Batalha do Avaí, pintura a ´óleo de Pedro Américo, 1877

O seu pai morreu no ano seguinte, a 23 de Janeiro de 1866. Castro Alves voltou ao Recife, e matriculou-se no segundo ano da Faculdade.

Para além de uma fase de intensa produção literária é a do seu apostolado por duas grandes causas: uma – social e moral – a da abolição da escravatura; outra – a república – aspiração política dos liberais mais exaltados.

Funda uma sociedade abolicionista com Rui Barbosa e outros colegas. Lança o jornal “A Luz”. Polemiza na imprensa com Tobias Barreto.


Tobias Barreto

Nesse mesmo ano, torna-se amante de Eugénia Câmara e vai morar com ela nos arredores da cidade. Para a amada, traduz peças francesas e compõe o drama Gonzaga ou a Revolução de Minas, representado na Baia e depois em São Paulo, no qual conseguiu consagrar as duas grandes causas de sua vocação.

No dia 29 de Maio de 1867, acompanhado de Eugenia muda-se para Salvador. Na estreia de Gonzaga ou a Revolução de Minas, dia 7 de Setembro, no Teatro São João, foi coroado e conduzido em triunfo. Castro Alves dedica-se a terminar Os Escravos e cria A Cachoeira de Paulo Afonso, poema que será o epílogo do livro. Nesse mesmo ano, escreve Sub Tegmine Fagi e outras poesias.

 
José de Alencar

Em Janeiro de 1868, embarcou com Eugénia Câmara para o Rio de Janeiro, onde foi recebido por José de Alencar. Lê o seu drama e algumas poesias a José de Alencar, que depois o apresenta a Machado de Assis. Ambos ficam impressionados com seu talento e Machado elogia-o publicamente no “Correio Mercantil” e introduziu-o nos meios literários

Em 11 de Março, viajou para São Paulo acompanhado de Eugénia Câmara e do amigo Rui Barbosa. Decidira continuar ali os seus estudos. Matriculou-se no terceiro ano na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco.

Continuou principalmente a produção intensa dos seus poemas líricos e heróicos, publicados nos jornais ou recitados nas festas literárias, que produziam grande sucesso.

São deste período, as obras O navio negreiro, Vozes d’África, A mãe do cativo, Lúcia, O vidente, Canção do boémio, Ode ao dois de Julho, O laço de fita e Boa noite.


Vozes d’África – O navio negreiro
Rio de Janeiro – São Paulo, Laemmert & Cª, 1905
(Foto: emule.com.br)

Tinha 21 anos, e um destaque incomparável na sua geração, de que faziam parte grandes talentos quer na literatura como na política.

Basta lembrar os nomes de Fagundes Varela, Rui Barbosa, Joaquim Nabuco, Afonso Pena, Rodrigues Alves, Bias Fortes, Martim Cabral, Salvador de Mendonça, e tantos outros, que lhe assistiram aos triunfos mas não lhe disputaram a primazia. É que ele, na linguagem divina que é a poesia, lhes dizia na magnificência dos seus versos, que até então ninguém dissera, numa voz que nunca se ouvira, como afirmou Constâncio Alves. Pregava o advento de uma "era nova", segundo Euclides da Cunha.

 
Joaquim Nabuco

Declama a Ode ao Dous de Julho, no Teatro São José, com grande consagração. A 7 de Setembro de 1868, fez a apresentação pública de Tragédia no mar, que depois ficaria conhecido como O Navio Negreiro. Prepara entretanto a representação do seu drama Gonzaga ou a Revolução de Minas, que no dia 25 de Outubro, sobe à cena no Teatro São José, no qual, Joaquim Augusto, o maior actor brasileiro da época tem o papel principal.

 
Anúncio de Gonzaga publicado no jornal “O Ypiranga”

O relacionamento com Eugénia Câmara torna-se difícil: Eugénia retorna ao palco e as brigas por ciúmes sucedem-se. Rompe em 28 de Agosto de 1868 a sua ligação com Eugenia Câmara. Angustiado e deprimido, Castro Alves pára de ler e escrever, somente passeia e vai à caça, ainda que não dispare nem um tiro.

Em 11 de Novembro, sai mais uma vez para caçar na Várzea do Brás, nos arredores da cidade e, ao saltar uma vala, a arma dispara e o tiro acerta-lhe no pé esquerdo. O ferimento infecta e a tuberculose volta a manifestar-se. Tuberculoso, pondera uma estadia na cidade de Caetité, onde moravam os seus tios e morrera o avô materno (o Major Silva Castro, herói da Independência da Baia) e dois grandes amigos (Otaviano Xavier Cotrim e Plínio de Lima), de clima salutar.

Em Março de 1869, matriculou-se no quarto ano do curso jurídico, mas a 20 de Maio, devido ao agravamento do seu estado de saúde, decidiu viajar para o Rio de Janeiro, para salvar a vida, mas com o martírio de uma amputação. O seu pé foi amputado em Junho. Os cirurgiões e professores da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, Andrade Pertence e Mateus de Andrade, amputaram-lhe o pé esquerdo sem qualquer anestesia. A convalescença é lenta e dolorosa.

No dia 31 de Outubro, assistiu a uma representação de Eugenia Câmara, no Teatro Fénix Dramática. Viu-a aí pela última vez, pois a 25 de Novembro decidiu partir para Salvador. Mutilado, estava obrigado a procurar o consolo da família e os bons ares do sertão. Embarca para a Baia, cercado de amigos e parentes. Durante a viagem, contemplando a esteira de espumas que forma o navio no mar, tem a ideia de reunir os seus poemas num livro: Espumas Flutuantes.


Frontispício da 1ª edição de Espumas Flutuantes

Por conselho médico, em Fevereiro de 1870, vai para Curralinho, no sertão baiano e, depois, à fazenda Santa Isabel, no Rosário do Orobó, em Itaberaba, onde termina A Cachoeira de Paulo Afonso. A aparente melhoria do seu estado de saúde fá-lo retornar a Salvador em Setembro. Ainda leria, em Outubro, A cachoeira de Paulo Afonso para um grupo de amigos, e lançou Espumas Flutuantes.

Em 1871, apaixona-se pela cantora italiana Agnèse Trinci Murri, amor sobretudo platónico, para quem escreveu alguns versos, como A Violeta.

No entanto, a doença agrava-se.

A sua última aparição em púbico foi em 10 de Fevereiro de 1871 numa récita, na Associação Comercial, em benefício das crianças francesas vítimas da Guerra Franco-Prussiana.

Morreu às três e meia da tarde, no solar da família no Sodré, Salvador, Baia, em 6 de Julho de 1871.


Frontispício da 1ª edição de A Cachoeira de Paulo Afonso

Os seus escritos póstumos incluem apenas um volume de versos: A Cachoeira de Paulo Afonso (1876), Os Escravos (1883) e, mais tarde, Hinos do Equador (1921).

Castro Alves procurou aprofundar as implicações humanas da escravatura utilizando a sua eloquência condoreira na luta abolicionista. Descreve o escravo de um modo romanticamente trágico para despertar a sociedade, habituada a três séculos de escravidão, para o que há de mais desumano neste regime.

 
Johann Moritz Rugendas (5) - Escravos sofrendo castigos domésticos

O maior exemplo deste retrato está em A Cachoeira de Paulo Afonso, longo poema narrativo, escrito em 1870, que conta a história de amor de dois escravos, Lucas e Maria, retratada com fortes cores dramáticas.

O poeta cultivou o egocentrismo, porem, diferentemente dos românticos tradicionais, interessou-se também pelo mundo que o cercava e defendeu a república, a liberdade e a igualdade de classes sociais. Castro Alves, segundo Jorge Amado, teve muitos amores, porem, o maior de todos eles foi a Liberdade.

Se por um lado à temática social adoptada por Castro Alves já o aproximam do Realismo, por outro a sua linguagem, repleta de figuras de estilo (metáforas, comparações, personificações, invocações, hipérboles, típicas do condoreirismo), enquadra-o perfeitamente no movimento Romântico.

 
António de Castro Alves

Alem disso, o poeta não deixou de lado a poesia de carácter lírico-amoroso, cultivada por todos os escritores de sua época. Mas, diferentemente de seus contemporâneos, raramente idealiza a figura feminina; ele dá-nos a imagem de uma mulher mais concreta, mais próxima de um ser de "carne e osso", mais sensual.

É o patrono da cadeira n.º 7 da Academia Brasileira de Letras.

 
Johann Moritz Rugendas  - Negros no porão de um navio negreiro

Sobre ele, leia-se o que António Cândido escreveu:

“O último poeta romântico de importância foi Castro Alves (1847- 1871), que superou a plangência dos ultra-românticos, tanto pela sensualidade exuberante e a força plástica, quanto pelo corte humanitário da sua poesia social. Muito influenciado por Victor Hugo, foi como ele capaz de percorrer uma gama extensa, das tonalidades épicas ao lirismo sentimental. Mais de um crítico viu que havia nele um orador em verso, cuja eloqüência arrebatava os auditórios e desempenhou papel importante, mesmo depois de sua morte, na campanha pela abolição da escravidão negra, que a partir de 1870 conquistou aos poucos a opinião pública do país. Essa eloqüência ocorre também no calor da sua lírica amorosa e o afasta das tonalidades médias do lirismo romântico. Praticando o jogo das antíteses e inflando o verso pela hipérbole, é também um poderoso criador de imagens. Mas essas qualidades deslizam freqüentemente para a ênfase e a intemperança verbal, como se a sua extrema energia de expressão o levasse a perder o equilíbrio. Nele, devemos estar preparados para ver o melhor passar de repente para o pior.” (6)

 
Castro Alves – Os Escravos. São Paulo, Livraria Martins, 1947.
Tiragem especial de 70 exemplares, numerados de 1 a 70 e assinados pelo editor, em papel Vergé.
Ilustrações de Clóvis Graciano.
Encadernação original brochura. 199 pp.

 
Poesia

Espumas Flutuantes, 1870
A Cachoeira de Paulo Afonso, 1876
Os Escravos, 1883
Hinos do Equador, em edição das suas Obras Completas (1921)
Tragédia no Mar
O Navio Negreiro

Teatro

Gonzaga ou a Revolução de Minas, 1875

 
Jean Baptiste Debret – Mercado da Rua Valongo – Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil (1834-1839)

Notas:

(1) Jean-Baptiste Debret (Paris, 18 de Abril de 1768 — Paris, 28 de Junho de 1848) foi um pintor e desenhista francês. Integrou a Missão Artística Francesa (1816), que fundou, no Rio de Janeiro, uma academia de Artes e Ofícios, mais tarde Academia Imperial de Belas Artes, onde leccionou pintura. De volta à França (1831) publicada em Paris, entre 1834 e 1839, sob o título Voyage Pittoresque et Historique au Brésil, ou séjour d´un artiste française au Brésil, depuis 1816 jusqu´en en 1831 inclusivement, a obra é composta de 153 pranchas, acompanhadas de textos que elucidam cada retrato. O livro é dividido em 3 tomos: no primeiro de 1834 estão representados índios, aspectos da mata brasileira e da vegetação nativa em geral. O segundo tomo, de 1835, concentra-se na representação dos escravos negros, no pequeno trabalho urbano, nos trabalhadores e nas práticas agrícolas da época. Já o tomo terceiro, de 1839, trata de cenas do quotidiano, das manifestações culturais, como as festas e as tradições populares.

(2) Numa das suas obras mais belas, Canto Geral, o poeta chileno Pablo Neruda, dedica um poema a Castro Alves. O poeta condoreiro é lembrado por Neruda como aquele que, ao mesmo tempo em que cantou às flores, às águas, à formosura da mulher amada, fez com que sua voz batesse "em portas até então fechadas para que, combatendo, a liberdade entrasse". Portanto, termina o poeta chileno, "tua voz uniu-se à eterna e alta voz dos homens. Cantaste bem. Cantaste como se deve cantar". Como dá para perceber, Neruda reverencia Castro Alves por ter cantado àqueles que não tinham voz: os escravos. O poema chama-se "Castro Alves do Brasil".

(3) Castro Alves foi o principal e mais popular representante do estilo romântico que predominou na poesia brasileira entre 1850 e 1870, denominado condoreiro por Capistrano de Abreu (1853-1927). É caracterizado por uma poesia retórica, repleta de hipérboles e antíteses, em que se destacam os temas sociais e políticos, principalmente a defesa da abolição da escravatura e a apologia da república.

Os poetas condoreiros foram influenciados directamente pela poesia social de Vítor Hugo - o Condoreirismo é o hugoanismo brasileiro. De teor declamativo e pendor social, um de seus símbolos mais frequentes é a imagem do condor dos Andes, pássaro que representa a liberdade da América, o que sugeriu a Capistrano de Abreu a denominação dada ao estilo.

O estilo retórico condoreiro traduz-se na linguagem escrita através dos sinais de pontuação, como as reticências, os travessões e os pontos de exclamação.

Outros poetas, como Tobias Barreto (1839-1889), José Bonifácio, o Moço (1827-1886) e Pedro de Calasãs (1837-1874) cultivaram e defenderam o condoreirismo enquanto poesia de tese (científica), pública, política, rimando artigos de fundo de jornal, metrificando manifestos do abolicionismo e proclamações republicanas.

(4) O Teatro Santa Isabel foi, durante muito tempo, o palco do Recife em todos os aspectos: políticos, sociais e culturais. Inaugurado em 1850, foi quase totalmente destruído por um incêndio em 1869. Foi restaurado e reinaugurado em 1876. Na última reforma, mais recente (reaberto em 2002), a arquitectura neoclássica do início do século XIX foi mantida, mas agora aliada à modernidade, com tecnologias que permitiram inovações na estrutura do teatro e no conforto para os espectadores. O Teatro de Santa Isabel é hoje um dos 14 teatros-monumento do Brasil, reconhecido como Património Histórico e Artístico Nacional, título que ganhou em 1949.

(5) Johann Moritz Rugendas (Augsburgo, 29 de Março de 1802 — Weilheim, 29 de Maio de 1858) foi um pintor alemão que viajou por todo o Brasil durante o período de 1822 a 1825, pintando os povos e costumes que encontrou. Rugendas era o nome que usava para assinar as suas obras. Cursou na Academia de Belas-Artes de Munique, especializando-se na arte do desenho.

(6) CÂNDIDO, António – Iniciação à Literatura Brasileira (resumo para principiantes). São Paulo, Humanitas Publicações – FFLCH/USP – Julho 1999. 3ª edição. pp. 47-48.


Bibliografia:


 
Fica aqui o meu modesto contributo para o estudo dum poeta de produção irregular – obras de grande qualidade estética e outras “francamente menores” –, mas não esqueçamos que “não teve tempo para amadurecer a sua escrita”, pois morreu com 24 anos, porém mesmo assim é uma referência da poesia brasileira do séc. XIX.

Apesar dos meus esforços, tive grande dificuldade em fixar algumas datas, através da leitura e consulta da documentação estudada. Deixo a sua correcção aos mais entendidos na sua biografia.


Saudações bibliófilas

5 comentários:

  1. Muito obrigada por este artigo dedicado ao notável Castro Alves, de vida breve mas intensa como poucas. "Sou pequeno, mas sou filho dos Andes.", dizia C.A..
    Um canto de coragem e liberdade à época! E como bem disse um dos marcos do Romantismo brasileiro. Creio que C.A. também conheceu o Indianismo de Gonçalves Dias...
    Não posso esquecer aqui estes seus versos de "Espumas flutuantes":

    Oh! Bendito o que semeia
    Livros... livros à mão cheia...
    E manda o povo pensar!
    O livro caindo n'alma
    É germe -- que faz a palma,
    É chuva -- que faz o mar.

    Todavia, é a força do seu grito lancinante de revolta e denúncia - recordando um pouco a ideia do Poeta Soldado do Futuro do jovem Anthero -, que se grava indelevelmente em nós ao lermos a 4.ª parte do poema dantesco "Navio negreiro" ou a beleza triste de "Tragédia no lar".
    E eis que há outros versos que nos surpreendem pela sua simplicidade e força imagética: "Às vezes, quando o sol nas matas virgens / A fogueira das tardes acendia" ("Aves de arribação").
    Sobre estes versos recordo-me de ter ouvido a um crítico brasileiro, num programa radiofónico da TSF de há vários anos, dizer que Eça de Queirós ao lê-los em Paris haveria exclamado: "Aí está concentrada toda a poesia dos trópicos!".
    Castro Alves era um poeta de contrastes...
    Obrigada por me recordar a sua poesia!
    Foi com muito afã que há uns 15 anos consegui descobrir uma sua antologia poética em Lisboa. Um pequeno e bem escondido livro, nas prateleiras da velha Bulchholz, editado pela Agir em 1988.
    Hoje a poesia brasileira do século XIX já é mais estudada e divulgada entre nós. Existem interessantes edições seja brasileiras que portuguesas, como a da Cotovia (a colecção "Curso breve de Literatura brasileira").
    Sinceros parabéns pelo seu trabalho de estudo e divulgação, neste blog!
    Com muita estima.

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  2. Rui,
    Cuando leo estas biografías no sé si considerar que he perdido el tiempoo qué bien he estado.
    Independientemente de los movimientos de ir de un sitio para otro impresiona el hecho que el esclavismo existiera hasta hace cuatro día. Hoy es obvio ser abolicinista pero en esa época...
    Gracias una vez más.

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  3. Galderich,

    Quando escrevo estas biografias, acontece-me muitas vezes pensar como seria fascinante “fazer uma viagem no tempo” para compreender melhor a realidade e os pequenos dramas que estes personagens viveram.

    Mas como dizes hoje é fácil assumirem-se estas posições, mas naquela época era bem diferente!

    Um abraço

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  4. Sofia Simões,

    Foi com bastante agrado que li os seus comentários pertinentes e que realçam a actividade e qualidade poética de Castro Alves.

    Quanto ao C.A. nesta breve invocação da sua personalidade, através dum esboço biográfico, foi propositadamente que quase ignorei os seus poemas (apenas deixei links para os mais curiosos aí descobrirem um pouco melhor a sua poesia), pois penso apresentar um artigo, com uma peça bibliófila, a 1ª edição portuguesa de Os Escravos de 1884 (saída 1 ano após a brasileira), onde se incluem os poemas muito bem referidos por si: Vozes d’Africa, Tragédia no Lar e O Navio Negreiro.

    Pessoalmente “conheci” o Castro Alves há muito mais tempo, por um poema citado por Jorge Amado, encontrei uma edição dos seus poemas, mais tarde, nas minhas andanças pelas livrarias (já lá vão mais de 30 anos), mais recentemente, comprei Melhores Poemas com selecção de Lêdo Ivo (outro poeta brasileiro) que me reavivou um pouco a memória sobre este poeta que quase esquecera … para rematar foi a compra do livro que lhe referi – um encadear de circunstâncias que é frequente no bibliómano/bibliófilo, que é apenas aquilo que sou (não tenho nenhuma formação específica em Literatura – o pouco que sei é de muita leitura, muita aplicação e bons amigos).

    O meu muito obrigado pela sua contribuição

    Com estima … e até breve

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