segunda-feira, 25 de maio de 2009

Bibliofilia e a valorização do livro




BARBOSAE, Augustini (I.V.D. Lusitani, Pronotarii Apostolici, olim s. congregationis indicis consultoris, & insignis Ecclesiae Vimaranensis Thesaurarii majoris, nunc vero episcopi ugentini, et a consiliis D. Philippi IV, Hispaniarum Regis Catholici). PRAXIS EXIGENDI PENSIONES, adversus CALUMNIANTES, et DIFFERENTES ILLAS SOLVERE, cui accesserunt vota plurima decisiva, et consultiva canonica. (Tome II : VOTORUM DECISIVORUM et CONSULTIORUM CANONICORUM). Ultima Edition, aucta et emendata.
Lugduni, Sumptib. Philippi Borde, Laurentii Arnaud, Petri Borde, & Gulilielmi Barbier, MDCLXIII-MDCLXIV (1663-1664), 2 volumes (23,5 X 35,5 cm), Encadernação de época.


Convido-vos hoje a ler um texto dum amigo Miguel de Carvalho, pleno de actualidade, ainda que datado de 2005, o qual nos dá, em minha opinião, a visão simultânea do livreiro-antiquário e bibliófilo.
Permiti-me ilustrar com algumas imagens, que me parecem pertinentes, e tornam a sua leitura mais apelativa.
Quem tem conhecimento, como eu, deste tipo de personagem, sabe bem os dilemas que se lhe põem ao ter de se separar de obras das sua colecção, para reinvestir noutras: Quais escolher ? Será que não me vou arrepender? Voltarei a encontrar um outro exemplar?...
Como sempre a bibliofilia é uma questão de amor, e como tal, cada um vive a paixão à sua maneira.

Deixo-vos a sua leitura.





FRANQUESNAY, Jacques (de La Sarraz du) - LE MINISTRE PUBLIC DANS LES COURS ETRANGERES, ses fonctions et ses prérogatives. Par le sieur J. de La Sarraz du Franquesnay.
A Paris, chez Etienne Ganeau, libraire rue St-Jacques, aux armes de Dombes, 1731
1 volume in-12 (17 x 10 cm) de xxiv-293-(5) pags.




Por definição à BIBLIOFILIA associa-se o que de civilizador representa, e sempre representará, o livro de qualidade. É uma actividade lúcida feita à custa de apreciações inteligentes e à custa do culto dum complexo de sentimentos que vão desde a sensibilidade sublime, o carinho, o amor e o respeito pelo livro, não só pelo seu conteúdo, mas também pelo conjunto das suas características físicas tais como: o tipo de papel empregado, a ilustração, o aspecto gráfico, um autógrafo ou uma dedicatória autógrafa, a magnificência da encadernação e os materiais empregados, o historial & anteriores pertences, o estado de conservação, o número de edições, a edição limitada e numerada, entre muitos outros. Muitas outras sensações únicas estão relacionadas à bibliofilia e indirectamente às características do livro. Imagine-se a alegria quando se localiza ou descobre o livro que há tantos anos se ansiava e nunca se teve a oportunidade de o observar. Defronta-nos então aquilo que os espanhóis chamam de "taquicardia del abordaje". Quererá então, e acima de tudo, passar umas horas de solidão, para ler, folhear, abraçar e cheirar esse livro que veio enriquecer a sua vida. E o livro raro e precioso tem odor bem característico, inefável - regalo dos bons apreciadores.



UZANNE, Octave - Physiologie des QUAIS DE PARIS, du pont Royal au pont de Sully [E.O]
Illustrations d'Emile MAS.
Paris, Ancienne Maison Quantin ; Librairies-imprimeries réunies, Bouquinistes et bouquineurs, 1893 (achevé d'imprimer le 20 décembre 1892), grand in-8° (258x170mm.) ; 3ff. XI, 318pp, 1f.



Um bibliófilo não é só um leitor de livros. É também um amador e coleccionador de obras raras e preciosas. O que faz nascer um bibliófilo? É uma pergunta que só cada bibliófilo poderá responder. Não existem semelhanças nas respostas. É uma pergunta que se pode fazer a todos os que sofrem de "bibliofilia", verdadeira doença aos olhos dos não iniciados, incompreensível e incompreendida de quem não foi atacado do mesmo "mal". Ao bibliófilo com todas as suas idiossincrasias só outro bibliófilo pode verdadeiramente compreender. No entanto, entre os coleccionadores há talvez um tipo mais compreensível, mais acessível, é aquele que só adquire obras, que, para além da sua raridade e qualidade, o interessem também o asunto. Os livros são posse tão pessoal que dificilmente se encontrará quem tenha exactamente e na totalidade os mesmos gostos. O desfazer de uma biblioteca não é a morte mas o renascimento. Outras colecções serão enriquecidas com espécies que nela faltavam, uma geração de bibliófilos entrará na apaixonante luta pelo livro desejado.





HUGO, Victor - Torquemada
Calmann-Lévy, Paris 1882, 15 x 25 cm.
[
E.O.]
Encadernaçao assinada por Raparlier.



De regresso ao VALOR DO LIVRO, para além de todos os factores de valorização acima referidos, existe um essencial e inalterável à escala humana: o TEMPO. São essenciais as extraordinárias atitudes da preservação desde que se toma posse de um livro. O tempo tratará então de o enriquecer. O tempo respeita quem toma tempo, quem actua nas suas decisões de forma serena, quem impõe plácidamente a sua vontade de forma suave e constante. O tempo melhora tudo o que tem de melhor. Perceba-se a razão pela qual o vulgo "tem mais de cem anos" não tem qualquer peso na valorização. Até poderá ter duzentos anos ... A qualidade literária, histórica ou filosófica e o estado de conservação são valores intrínsecos capitais.




Catalogue des livres rares et précieux composant la bibliothèque de feu M. Jacques-Charles Brunet
Première partie : Livres rares et précieux - Belles reliures anciennes et modernes
Édité chez Potier, Labitte et Boone en 1868. in-8 16x25 cm de XLVI-143 pages.
713 titres répertoriés, avec une notice sur la vie et les travaux de Brunet par Le Roux de Lincy. Br


Por fim resta-nos o parâmetro referencial PREÇO ou COTAÇÃO DE MERCADO que é ditado pelos livreiros antiquários profissionais nos seus estabelecimentos e nos seus catálogos. Assim a cotação de um livro, embora oscilante entre dois patamares rígidos e bem definidos relacionados com o seu estado de conservação, é aquele cujo valor é muito semelhante entre todos aqueles livreiros antiquários. Nos Leilões e ao contrário da cotação da pintura e outros objectos de arte, pois estes artigos são exemplares únicos, o preço final de um livro antigo leiloado constitui meramente um valor indicativo do seu interesse uma vez que, salvo raras excepções, o livro não é exemplar único. Esta cotação atingida em leilão é também, e na maioria dos casos, resultado de uma disputa levada entre pelo menos duas pessoas e pela sua teimosia da aquisição a qualquer custo, para não falar nas atitudes exibicionistas dos tecnocratas dos livros (de cheques).



Œuvres de LOUISE LABÉ, Lyonnaise,
Edition de L. Boitel, Lyon, Savy, 1845. 1 volume in-12, 17 x 10 cm.
Encadernação assinada por Trautz-Bauzonnet
Reedição muito rara das obras de Louise Labé (tiragem de apenas 200 exemplares)
Com um tipografia extremamente cuidada.
Com um ex-libris de da Biblioteca de Robert Samuel Turner


A paixão dos bibliófilos é na maioria dos casos a TIRAGEM ESPECIAL. É uma espécie de culto pelo livro e uma forma do leitor mostrar o seu apego à obra que aprecia e estima. Toda a história do livro conhece a existência de uma edição especial. Elaborado sobre papel diferente, normalmente mais encorpado ou com uma textura diferenciadamente valorizada, o que move os autores e editores a realizar tiragens em papel especial, com uma apresentação mais rica, é o desejo de agradar a este ou àquele, e de assim salvar as edições. Não é um culto à vaidade mas sim à bibliofilia e ao desejo de uma maior beleza, de mais harmonia e, sobretudo, o de uma maior perenidade dos livros que se compram.

© Miguel de Carvalho - livreiro antiquário 2005 :: Powered by MagicBrain

Obrigado pela vossa leitura e, estou seguro, que esta constituirá um ponto de reflexão para todos nós.

1 comentário:

  1. Interesantisimo texto por todas las ramas que va extendiendo de esto tan difícil que es ser bibliofilo

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