quinta-feira, 28 de abril de 2011

2º Aniversário de “Tertúlia Bibliófila” – Uma reflexão a propósito



Vamos esclarecer um ponto fundamental: o que é a “Tertúlia Bibliófila”?


Biblioteca de um coleccionador
© Bauman Rare Books

Trata-se de uma experiência para a qual “fui empurrado” pelos meus amigos Lamberto Palmart, Galderich e, sobretudo, Diego Mallen (mais tarde o Marco Fabrizio apoiou-me bastante).

A ideia inicial era publicar “umas coisas” com imagens de alguns livros e falar de alguns escritores portugueses.


Alegoria da Imprensa


Rapidamente me apercebi, que salvo para alguns poucos (onde incluo os bibliófilos pelo menos assim o espero...), os nossos escritores não são assim tão conhecidos lá fora...nem “cá dentro”!

(como poderemos esperar que sejam conhecidos cá! … que raio de política cultural – mais tipo de “folclore cultural” – é esta que não promove nem defende o conhecimento dos nossos autores nem estimula a sua leitura?) (1)

Os escritores são publicados ao sabor dos interesses das editoras visando os lucros esperados para um “público de modas um pouco importadas” e não existe um verdadeiro estímulo cultural e de estudo / divulgação dos mesmos.


Luiz Pacheco

Recordo o que disse o Luiz Pacheco, sempre com o seu espírito crítico/satírico, que “autores como Saramago e Lobo Antunes não precisam de se preocupar em serem cá compreendidos pois escrevem lá para fora para o estrangeiro”... Infelizmente julgo que ele tinha alguma razão.

De facto quem nunca aprendeu a pensar pouco sentido crítico terá!
(política excelente para qualquer governo de qualquer cor partidária!)

Mas voltando ao blogue.
(por este caminho amanhã ainda aqui estou)

Pelo que julguei apreender, decidi mudar um pouco a estratégia.
Seleccionar alguns autores, de que gosto e que tenham algum publico, para falar sobre eles.


Gomes Leal - Caricatura de Bordalo Pinheiro

A selecção ostensivamente deixa os “grandes” de fora, pois não quero que um neófito, ao encontrar um autor ou livro que o entusiasme tenha, ao procurá-lo no mercado livreiro-antiquário, uma grande desilusão ao saber o seu preço.


Camilo Castelo Branco

O Camilo Castelo Branco, figura como autor emblemático desde o princípio, pois é um escritor interessante, que tem um conjunto volumoso de obra publicada, existe muito publicado sobre ele e qualquer um pode coleccioná-lo.
(claro que calma e paciência são sempre fundamentais, mas existem sempre obras em todos os catálogos que leio e recebo... e cito-o apenas como exemplo)

Nesta estratégia, até pelo trabalho de composição em blogue, que é um pouco diferente da forma de escrita em suporte de papel, por exemplo, os textos devem ser médios, ilustrados e que não requeiram consultas frequentes ao que já se escreveu, pois o leitor cansa-se e a mensagem não passa...

Decidi, sempre que os artigos eram demasiado extensos, ou para isso tendiam, dividi-los em vários artigos (cito os casos do Camilo Castelo Branco e do Bocage como mais relevantes) colocando sempre os “links” para os outros textos já publicados.


Livraria Antiquária do Calhariz
Catálogo Leilão 75

Já recebia e comecei a receber notas de divulgação de alguns livreiros-antiquários (uns meus conhecidos... outros nem tanto assim) e assim surgiu a segunda vertente: a divulgação dos eventos bibliófilos – catálogos, leilões e exposições.

O blogue foi-se expandindo, ou melhor aportuguesando e abrasileirando, pois inicialmente era mais virado para o estrangeiro – sobretudo os leitores hispano-americanos.

Refiro o Brasil pois é um local privilegiado na sua leitura (porquê? … ainda não descobri na sua totalidade, mas pelos contactos entretanto criados com alguns estudiosos do livro e da bibliofilia brasileira, noto um maior empenho na divulgação deste importante veículo cultural que é o LIVRO)

Vieram-me então à memória os autores que “me mostraram o Brasil”: Graciliano Ramos, José Lins do Rego, João Guimarães Rosa, Machado de Assis e Castro Alves.


João Guimarães Rosa

Surgem os textos a eles dedicados, que com algum espanto meu, são lidos com bastante entusiasmo sobretudo no Brasil.

De Jorge Amado, do qual li quase toda a sua obra, e que ainda hoje me entusiasma, nunca tive coragem de escrever um texto (a minha timidez é grande!)


Jorge Amado – Capitães da areia.
Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1937.
1ª edição. Brochura. 344 págs. (2)

As editoras fascinaram-me e a importância dos editores franceses no “nascimento” da imprensa no Brasil e daí mais alguns textos.


Auguste Saint-Hilaire – Voyage aux sources du Rio de S. Francisco
et dans La Province de Goyaz

Claro que outros escritores que não de língua portuguesa, e que fazem parte do meu vasto universo bibliómano, também tiveram alguns apontamentos sobre a sua biobibliografia: Charles Dickens, Jane Austen, Ernest Hemingway, por exemplo.


Ernest Hemingway - A Farewell to Arms
New York, Charles Scribner’s Sons, 1929.
First edition, first print.
Copyright 1929, by Charles Scribner’s Sons

Uma terceira vertente surgiu: “As Conversas bibliófilas” onde exprimia o meu sentir pessoal sobre os acontecimentos e sobre eles reflectia.

É neste contexto que escrevi, por exemplo, o texto sobre “A Memória Descritiva”.


Maria Alzira Seixo – “Memória Descritiva.
Da fixação do texto para a edição ne varietur da obra de António Lobo Antunes”.
Alfragide, Publicações Dom Quixote, 2010.
1ª edição. 179 (2) pág. Brochado

Que me perdoe a Prof.ª Alzira Seixo, mas este não é um livro bibliófilo, mas pela sua grande importância literária e cultural, merecia a sua divulgação, pelo que escrevi o artigo “ao sabor da minha escrita, como gosto de o fazer”, e deixei assim “como quem não quer a coisa” a mensagem (julgo ter conseguido o objectivo)

Ora bem, e voltando ao que me trás aqui, com a minha formação basicamente técnico-cientifica, que sempre rejeitei como formação isolada por falta de uma visão mais abrangente do homem, não tenho qualquer formação literária (tinha apenas como referência um tio que escrevia uns textozinhos...entretanto perdidos)

Claro que desde sempre fui um leitor ávido – um grande bibliómano, que ainda o sou hoje – tenho muita dificuldade em resistir ao fascínio dum livro!

Entretanto conheci o Sr. Magalhães, sempre ele, o Sr. Ernesto da Biblarte e mais um outro, do qual infelizmente esqueci o seu nome, foram as pessoas que me levaram à bibliofilia.


Maquina tipográfica «Express»

Daqui se compreende que tenha grande dificuldade em fazer criticas literárias ou estilísticas, debater um determinado tipo de impressão, conhecer uma edição coeva e as suas variantes, (investigo, procuro e leio para aprender e depois de “digerir o aprendido”, tentar emitir uma opinião, mas sempre receoso de estar a ser incompetente ou, mais grave ainda, injusto para com o autor ou a temática abordada)

Julgo que o blogue atingiu um patamar em que tenho de me esforçar muito, estudar literatura, contactar regularmente os livreiros-antiquários conhecidos, para colher as informações da actualidade, para continuar a garantir a qualidade do que escrevo, senão será melhor tirar umas férias, ou mesmo, fechar a porta!

Num ponto não faço concessão: para mim o autor vem sempre primeiro que a sua obra!

Falarei e mostrarei livros, mas quando sentir que essa obra será devidamente colocada no contexto literário da sua época.


Camilo Pessanha
Fotografia com dedicatória a Luís Nolasco

Todos conhecem o “Amor de Perdição” ou “Os Maias”, mas depois de terem lido e conhecido um pouco mais sobre o Camilo ou o Eça de Queirós, julgo que o reconhecimento destes livros será outro. A “Clepsidra” lida depois de se conhecer um pouco melhor a vida e as atribulações do Camilo Pessanha terá igualmente um outro significado. (3)

Julgo ter dado algumas “boas pinceladas” sobre os nossos séculos XVIII e XIX (admiro este século!)

É neste contexto que surge o texto sobre o Alexandre Herculano – um dos textos mais lidos.

O que escrevi foi sobre o homem, o personagem, que marcou o nosso século XIX e por ele foi marcado. A seguir virão um dia as obras e as primeiras edições.


 Alexandre Herculano

Resumindo, pois já me perdi um pouco.

O blogue é feito por um técnico, que não é nem literato nem literário, mas que quer conhecer muito mais sobre os livros, que com modéstia, vai tentando singrar neste campo, sem copiar outros exemplos, mas aprendendo, sempre com simplicidade, com o que se vai fazendo (vejam-se os blogues do Diego Mallen ou do Urzay – um “regalo para a vista” e um “bálsamo para a alma!” – de Le Blog du Bibliophile ou Le Bibliomane Moderne – excelente a entrada de Textor, que acrescentou muito ao trabalho já de si relevante do Bertrand) e dando o seu melhor como pode e sabe, por isto, este espaço é e será sempre modesto... por principio sou uma pessoa simples, ainda que muito teimosa!)


Padre António Vieira – SERMONES // SELECTISSIMI
Marca tipográfica de Hermann Demen

Gosto de escrever pelo prazer do acto em si e pelo que consigo aprender sobre mim e os meus pensamentos.

Os meus escritos são como memórias / lições, mas curiosamente raramente releio o que publiquei!

O acto de criar morreu com a sua nascença outro projecto deve iniciar-se...

E aqui fica a quarta vertente, talvez a mais pessoal do blogue, a sua imprevisibilidade para mim e para os leitores: nunca se sabe o que esperar!
(se calhar terá nascido aqui o artigo para o aniversário do blogue?)


Cartonnages Romantiques, 1840-1870,
un âge d'or de la reliure du livre d'enfant

Bom isto não é nem uma crónica, nem um conto e muito menos um romance, portanto vou terminar, mas antes quero expressar o meu profundo agradecimento a todos os meus leitores e seguidores, pois são eles a “alma viva” deste blogue.

Saudações bibliófilas.


Notas:

(1) Claro que há excepções, mas algumas servem “outros interesses”.

(2) Lançado às vésperas da decretação do Estado Novo, em 10 de Novembro de 1937, este livro considerado comunista foi censurado e perseguido, sendo que grande parte da edição foi incinerada.

(3) Que me perdoe José Mindlin – o eminente bibliófilo infelizmente já desaparecido, mas neste ponto discordo dele, pois o livro era sempre o mais importante para si.


quarta-feira, 27 de abril de 2011

L’Intersigne Livres Anciens – Catalogue Alchimie




L’Intersigne -  Livres Anciens

Alain Marchiset publicou mais um dos seus catálogos temáticos – desta vez sobre a Alquimia!


Catalogue Alchimie

Como sempre, e como já nos habituou este livreiro-antiquário, apresenta livros bem curiosos sendo alguns de evidente raridade.



Aqui ficam algumas das suas páginas com o meu convite para a sua leitura.








A sua leitura para além do excelente descritivo, que enriquece sempre os nossos conhecimentos, poderá conter algum livro – nem sempre de preço muito elevado – que nos poderá interessar.

Saudações bibliófilas.


226ème Anniversaire de John James Audubon



Pour mes amis français



Jean-Jacques Audubon

"La nature elle-même disparaît et la cupidité de l'homme éliminera bientôt du Labrador non seulement l'homme mais tout être vivant". écrit-il dans son journal en 1833.

"Audubon aurait été partout ailleurs un grand philosophe, un grand orateur, un grand poète, un grand homme d'Etat, un Jean-Jacques Rousseau, un Montesquieu, un Chateaubriand. Là il n'a pu être qu'un naturaliste, un peintre et un descripteur d'oiseaux d'Amérique, un Buffon des Etats du Nord, mais un Buffon de génie, passant sa vie dans les forêts vierges (...) et écrivant avec l'enthousiasme de la solitude quelques pages de la grande épopée animale de la création."  (Lamartine, Cours familier de littérature, Paris, 1865)

Jean-Jacques Audubon (ou John James Audubon aux États-Unis), est né le 26 d’avril de 1785 aux Cayes, à Haïti, fils illégitime d'une immigrée française et d'un capitaine au long cours protestant et d'origine bretonne, Jean Audubon, qui possédait dans l'île des plantations et des esclaves.


John James Audubon, wood engraving from Gleason's Pictorial; 1854.
© Library of Congress

Il se passionne très jeune pour l'histoire naturelle. Il est élevé en France, à Nantes et non loin de là à Couëron, par sa belle-mère, Anne Moynet Audubon.

En 1803, son père lui obtient un faux passeport qui lui permet de se rendre aux États-Unis et échapper ainsi à la conscription en vigueur en cette période de guerres napoléoniennes. Pendant le voyage, il contracte la fièvre jaune.

Le capitaine du bateau le débarque alors dans une pension dirigée par des femmes quakers qui le soignent, le guérissent, et lui enseignent l'anglais particulier des quakers.

Il devient contre-maître dans une ferme près de Philadelphie et commence à étudier l'histoire naturelle en dirigeant la première opération de baguage du continent.

Jean-Jacques arrivé au Nouveau Monde se prend de passion pour ce continent inexploré, le dernier de la planète.

Après plusieurs années de succès commerciaux en Pennsylvanie et dans le Kentucky, il fait faillite, ce qui l'incite à poursuivre avec plus d'ardeur son étude de la nature et sa pratique de la peinture.


Ruffed Grouse (Bonasa umbellus)

Il descend le Mississippi avec son fusil, sa boîte de couleurs et son assistant, dans l'intention de trouver et de peindre toutes les espèces d'oiseaux d'Amérique du Nord.

Il mène à partir de 1810 une vie errante de chasseur et conçoit le projet qui va occuper le reste de son existence : repérer, observer, peindre, décrire tous les oiseaux du continent nord-américain.

Ce naturaliste et peintre américain d'origine française, naturalisé en 1812, est considéré comme le premier ornithologue du Nouveau Monde.


John James Audubon - chasseur

Il y mettra trente ans. Trente années de vie au fond des bois, dans les bayous, sur les rivières et les montagnes, parmi les trappeurs et les derniers indiens. Trente années de voyages, de la Floride au Labrador, des Carolines aux Rocheuses, à cheval, sur les premiers bateaux à vapeur et le plus souvent à pied ou en canoë.


Red-headed duck (Fuligula Ferina)

La dernière planche des Oiseaux d'Amérique (Birds of America) sortira des ateliers de son graveur à Londres en 1839.

En 1826 il débarque à Londres avec son portfolio. Les Britanniques ne se lassent pas des images d'une Amérique sauvage et pleine de forêts. Son succès est immédiat. Il est fêté comme «l'homme des bois américain» et récolte suffisamment d'argent pour publier Les Oiseaux d'Amérique (Birds of America) entre 1830 et 1839. (1)


American Egret (Casmerodius Albus)

Son ouvrage, remarquable par l'exactitude des détails et par la beauté de l'exécution, se compose de quatre volumes contenant 435 planches grandeur nature peintes à la main.


Bachman's Warbler (Vermivora bachmanii)

435 planches au format "double-éléphant-folio" (39"1/2 x 29"1/2 soit 100 cm x 75 cm) représentant tous les oiseaux du continent nord-américain avant la destruction de nombreuses espèces par les conquérants de l'Ouest. Le succès des Oiseaux d'Amérique (Birds of America) est lié à leur qualité à la fois artistique et naturaliste, et surtout à l'amour d'Audubon pour la "tribu à plumes", qui rayonne de ces immenses aquarelles.

Le roi George IV compte parmi ses admirateurs enthousiastes.


Le roi George IV
Portrait par Sir Thomas Lawrence (1816)

Alors qu'il se trouve à Édimbourg à la recherche de souscriptions pour son livre, il fait une démonstration de sa manière d'utiliser des fils pour déployer les oiseaux devant la Wernerian Natural History Association du professeur Robert Jameson.

Un étudiant nommé Charles Darwin fait partie du public.


Charles Darwin

Il visite également la salle de dissection de l'anatomiste Robert Knox, peu avant l'association de Knox avec Burke et Hare. Il adjoint à ses Oiseaux d'Amérique les Biographies ornithologiques (Édimbourg, 1831-1839, 5 volumes in-8), qui contiennent la description de la vie de chaque espèce représentée. Cet ouvrage est rédigé en collaboration avec l'ornithologue écossais William MacGillivray.

John James Audubon poursuit ses expéditions en Amérique du Nord et achète une propriété sur l'Hudson, aujourd'hui Audubon Park.


King Rail (Rallus Elegans)

En 1842, il publie aux États-Unis une édition populaire des Oiseaux d'Amérique.

De retour dans sa patrie, il entreprend, avec le concours du docteur John Bachman (1790-1874), la description des mammifères, les Quadrupèdes vivipares d'Amérique du Nord, qui paraît à New York en 1850. Le livre est achevé par ses fils et sa femme.


John James Audubon

John James Audubon mort le 27 janvier 1851 à New York, est enterré au cimetière de Trinity Churchyard, au croisement de la 155e Rue et de Broadway, dans le quartier de Harlem à New York, où se trouve un imposant monument érigé en son honneur.

 
Northern Bobwhite (Colinus virginianus)



Bonsoir et bonne lecture.


Note:

(1) Le 7 décembre 2010, un exemplaire de Birds of America s'est vendu 8,6 millions d'euros chez Sotheby's, à Londres. Un autre exemplaire avait déjà été adjugé pour 7 millions d'euros en 2000.


Sources consultées:

Jean-Jacques Audubon, le peintre des oiseaux

Les oiseaux d’Amérique – Une visite virtuelle du catalogue complet des Oiseaux d’Amérique, réalisée par le Musée de la Civilisation du Québec :

Wikipédia – Jean-Jacques Audubon :


sexta-feira, 22 de abril de 2011

João da Costa – um impressor francês em Portugal: Apontamentos a propósito de uma marca de impressão




Marca tipográfica de Nicolau de la Coste e de Jean de la Coste
(associados em Paris)

Já referi este impressor anteriormente, no apontamento sobre Jean de la Coste de Lesné.

Hoje vou tentar esboçar alguns apontamentos sobre o seu filho Jean de la Coste, que ficou conhecido entre nós por João da Costa.

Sobre a estadia de João da Costa em França, antes de vir para Portugal, pouco, ou mesmo nada se sabe, pela escassez de registos biográficos.

Estamos apenas seguros da sua estadia já em Portugal quando Jean de la Caille cita o seu nome na Histoire de l’Imprimerie et de la Librairie.

Terá vindo para Portugal em 1650, ainda que a primeira referência à sua residência em Lisboa seja de 1659, com registo no livro manuscrito da Irmandade de do Bemaventurado S. Luiz Rei de França (datado de 9 de Março de 1659), mas curiosamente, nesse mesmo livro, e com data de 4 de Fevereiro de 1657, aparece um assento da lista dos subscritores e quantias destinadas a “uma lâmpada de prata” que a Irmandade resolvera mandar fazer “pera honra de deus E da nossa Capela”, surge o seu nome e com a quantia importante de 7.000 réis. Este documento prova que a 4 de Fevereiro de 1657 já se encontrava a residir entre nós.

Ora o que terá feito João da Costa nos primeiros anos da sua estadia em Portugal até ao início da sua actividade como livreiro-impressor em 1662?

Temos duas hipóteses: ou nos primeiros tempos, não trabalharia tipograficamente por sua conta, e exerceria em oficina alheia esta actividade; ou viria para Lisboa estabelecer-se primeiro como livreiro, e só mais tarde assentaria anexa à tenda dos livros a oficina de impressão.

Esta segunda hipótese parece ser a mais plausível.

A este propósito Venâncio Deslandes afirma que “Joáo da Costa teve por sócio na sua tenda de livreitro ao Chiado a Jacques Schuartz. Assim consta em documento autêntico existente no Cartório do Museu Platino em Anvers”


Documento comprovativo da actividade de livreiro

Terá estabelecido a sua oficina na Rua da Figueira (actual Rua da Anchieta), conforme nos diz o Visconde Júlio de Castilho na pág. 170, vol. VI de Lisboa Antiga.

Casou-se em 1666 com Arcangela de Sousa natural de Carnide, deste casamento nasceu apenas uma filha – Luisa Maria da Costa.

Ainda que nas primeiras impressões, como é o caso desta, impressa ainda em vida de seu pai, aparece um tipo de vinheta tipográfica como é o caso de: NOTICIAS/CVRIOSAS;/E NECESSARIAS/DAS COVSAS DO/BRASIL./ Pello P. SIMAM DE VASCONCELLOS/da Companhia de Iesvs, /Natural da Cidade do Porto, Lente que foi da sagrada Theologia./& Provincial naquelle Estado. / /EM LISBOA. /na Officina de IOAM DA COSTA. Anno 1668. / / COM AS LICENÇAS NECESSARIAS. /


NOTICIAS/CVRIOSAS; /E NECESSARIAS/DAS COVSAS DO/BRASIL


Descritivo

Encontra-se posteriormente, uma vinheta ornamental muito empregue por João da Costa nas suas impressões.

O conjunto é composto num rectângulo, com cerca de 142x23 mm, gravado em madeira, com um escudete no centro, no campo do qual se ergue uma palmeira e, por detrás do caule da mesma, se desdobra uma fita com as palavras CVRVATA RESVRGO como divisa, ladeando o escudete, simetricamente dispostos, irrompem dois vistosos festões de flores e frutos; estes dois festões, seguros na extremidade periférica por um anjo, prendem-se de modo entrelaçado, pela outra extremidade ao rebordo do escudete; cada um dos anjos segura com uma das mãos o exuberante festão e, com a outra, empunha um farto ramo de frutos e folhedos; toda esta composição é encaixilhada por uma cercadura granulada.


Marca tipográfica de Augustin Courbé

Augustin Courbé (que teve actividade florescente em Paris no século XVII) (1) adoptou por marca tipográfica um escudo eliptiforme, em cujo campo se ergue esta mesma divisa: CVRVATA RESVRGO. Terá saído daqui a ideia que inspirou João da Costa a copiar esta divisa? Nunca se saberá.

Aliás João da Costa utilizou muitos dos elementos decorativos, capitulares ornadas (de vários tipos), cabeções e vinhetas tipográficas que se podem encontrar nos trabalhos deste impressor francês.

Veja-se, a este propósito:
LES/OEVVRE/DE MONSIVER/DE/VOITURE. /CINQUIESME EDITION. /Reueué, corrigé & augmentée. /Vinheta tipográfica/A PARIS:/Chez Avgvstin Covrbé, dans l apetite/Salle du Palais, à Palme. / / M.DC.LVI./AVEC PRIVILEGE DV ROY./


LES/OEVVRE/DE MONSIVER/DE/VOITURE.

In-4.º de 709-210 pág. Numeradas, precedidas de 32 inumeradas (na última destas, um retrato do autor, gravado por Nantueil em chapa de cobre, seguidas por 17 que também não apresentam numeração.


LES/OEVVRE/DE MONSIVER/DE/VOITURE.

Mas porquê João da Costa adoptou esta marca? A resposta não parecer ser muito clara, pois já na época havia alguns preceitos sob este assunto (vinham ainda muito longe os direitos de autor!)


Cabeção de Les Œuvres de Monsieur Voiture

Acontecia, no entanto algumas vezes, nas oficinas de impressão, passarem a figurar como simples elementos decorativas (sem a mínima intenção de marca distintiva) gravuras que noutras oficinas haviam anteriormente representado marcas tipográficas de impressores ou de livreiros.

Estas marcas passavam, habitualmente, de um para outro livreiro, ou de um para outro tipógrafo, lealmente, francamente, legalmente, quer por sucessão hereditária (e este era o processo mais natural), quer por aquisição da loja ou da oficina, quer por aquisição do material, quer inclusivamente por empréstimo.

Mas já Ribeiro dos Santos reconheceu e afirmou esse mesmo facto, quando na Memória sobre as origens da Typographia em Portugal no Século XV (pág. 75 do Tomo VIII das Memórias de Litteratura Portugueza, publicadas pela Academia Real das Sciências de Lisboa) escreveu: “E estas Divisas, e Marcas, ou erão originaes dos Impressores, isto he de sua própria invenção, ou herdadas, ou também adoptadas das mesmas Officinas, que compravão”

Analogamente, Delalain, na pág. XIV do Inventaire des Marques d’Imprimeurs et de Libraires de la Collection du Cercle de la Librairie (2), escreve: «Ajoutons que toutes les marques ne sont pas originales ; on les voit se répéter soit dans le même pays, soit dans d’autres pays. On observe aussi qu’il y a échange ou emprunt de marques; et, plusieurs fois, sur des ouvrages portant un nom de libraire ou d’imprimeur déterminé, se trouve une marque que appartient notoirement a un autre dont il pouvait être le correspondant ou le dépositaire,»


Gravura adquirida em França por João da Costa

A marca tipográfica que João da Costa usou, com o escudo elíptico da palmeira e a divisa CVRVATA RESVRGO, poderia ter resultado do facto da aquisição em França do material tipográfico da Oficina Courbé, pelo que passou a usar nas suas impressões em Lisboa (sem qualquer motivo intencional) aquele ornato gravado, da mesma forma como usou cabeças ornamentais em que figuravam as armas reais de França, estas inquestionavelmente provenientes da Oficina de Courbé. Nalgumas impressões o A de Augustin aparece claramente apagado (intencional ou não é assunto por esclarecer)


Cabeção decorativo adquirido por João da Costa em Paris

A corroborar esta hipótese refira-se que entre 1630 e 1662 foi o período em que Augustin Courbé exerceu a sua actividade de livreiro-impressor em Paris, desconhecendo-se impressões posteriores.

Ora é precisamente no ano de 1662 que se inaugurou em Lisboa a longa série de publicações, pelas quais se distinguiu o impressor João da Costa, que acumulava com a actividade de livreiro.


Vinheta gravada em Portugal ao tempo de João da Costa
e muitas vezes usada nas impressões deslandesianas

A marca tipográfica de João da Costa adquirida em França, que é o objecto deste texto, aparece toscamente imitada (com algumas modificações) numa outra chapa que figura frequentemente nas impressões deslandesianas. Nesta as principais modificações  em relação à que João da Costa terá adquirido na Oficina Courbé, podem resumir-se em três: redução das dimensões, por modo que a chapa imitativa corresponde a cerca de dois terços da chapa imitada; supressão da divisa Curvata Resurgo no escudo elíptico da palmeira; supressão do escudete inferior e consequentemente da sigla.

Esta surge ainda no tempo de João da Costa no livro:



Outro exemplo é



BARRETO, João Franco. – ORTOGRAFIA // DA // LINGVA PORTVGVEZA // PER // ... // Em Lisboa. Na Officina de Ioam da Costa. M.DC.LXXI. In-8º de [16], 279 págs. Primeira edição.

A impressão é em caracteres redondos intervalados por grande abundância de tipo itálico; oferecem rubricas por letras alfabética os cadernos, e reclamos as páginas. Duas iniciais floreadas, diversas cabeças ornamentais, entre elas a que representa o escudo das armas reais portuguesas ladeado por figuras femininas, cornucópias e serpentes, grande número de remates decorativos e, é como remate decorativo que aparece na página 8 das preliminares, que figura a vinheta da palmeira sem letra.


Mercúrio Portuguez com as novas do anno de 1667

Teve igualmente papel importante na impressão de “Mercúrio Portuguez”, que começara a circular em Janeiro de 1663, pois que de Julho de 1666 até Janeiro de 1667, saíram dos seus prelos os fascículos respectivos. Os restantes (Fevereiro a Julho) estamparam-se todos (uns com designação de oficina, e outros sem ela) em casa de António Craesbeck de Mello.

Imitando Courbé ou João da Costa, houve no séc. XVIII um impressor espanhol que adoptou por insígnia a palmeira com o respectivo letreiro. Trata-se de Dionísio Hidalgo com oficina em Toledo.

Aliás a palmeira é um emblema que os livreiros-impressores frequentemente adoptaram para suas insígnias.

Como curiosidade refira-se que um dos primeiros a utilizá-la, foi Jean Gérard (Joannes Gerardus), que floresceu em Genebra no séc, XVI. Usou por insígnia uma palmeira, de cujos ramos está suspenso um menino.

Espero com estes apontamentos ter despertado a vossa curiosidade para este tema sempre apaixonante para qualquer estudioso bibliófilo.

Do que li fiquei com mais dúvidas do que certezas, mas ainda bem que assim foi, pois outros, mais habilitados do que eu, terão um vasto campo de pesquisa.

Saudações bibliófilas.


Notas:

(1) De Augustin Courbé diz Jean de la Caille na pág. 274 da sua Histoire de l’Imprimerie et de la Librairie: «Il prenoit la qualité d’Imprimeur & Libraire de Monseigneur le Duc d’Orleans, et avoit pour marque un Palmier, et pour devise ces paroles: Curvata resurgo : faisant allusion à son nome.»


(2) Delalain, M. P. – Bibliothèque Technique du Cercle da la Librairie – Inventaire des Marques d’Imprimeurs et de Libraires de la Collection du Cercle de la Librairie. Par … Deuxième édition, revue et augmentée. Paris, Au Cercle de la Librairie, de l’Imprimerie de la Papeterie, du Commerce de la Musique et des Estampes, 1892. In 4º de XXVIII – 357 pág. numeradas ; no texto várias reproduções em fac-simile.



Fonte consultada:

Xavier da Cunha – Impressões deslandesianas : divulgações bibliographicas –  Lisboa: na Imprensa Nacional, [1895], (1896). - 2 vols. Volume I, Capítulo VIII, pág. 338 [350] -387 [405], pág. 397 [415] a 406 [423], 421 [438] a 422 [439] e 449 [465] a 451 [469].




quarta-feira, 20 de abril de 2011

Livraria Castro e Silva no Salon International du Livre Ancien au Grand Palais – Paris 2011




Catalogo da Livraria Castro e Silva

O Salon International du Livre Ancien au Grand Palais – Paris decorrerá de 29 Abril a 1 de Maio com organização do Syndicat national de la Librairie Ancienne et Moderne. A “Vernissage" terá lugar a 28 Abril unicamente por convite. O preço de entrada é de 8 €.


Salon International du Livre Ancien au Grand Palais – Paris 2011

A Livraria Castro e Silva estará presente neste evento, que constitui um dos grandes marcos da bibliofilia mundial anualmente. Para aqueles que lá se desloquem proponho a visita ao seu stand – F12 – onde encontrarão um bom lote de livros de escolha bem seleccionada e representativos da bibliofilia portuguesa.

Veja-se o seu catálogo, ou melhor, vejam-se algumas das imagens que o ilustram, pois elas falam por si mesmo.


















Como nota final eis o Programa do Salon International du Livre Ancien au Grand Palais para 2011 em: http://www.salondulivreancienparis.fr/articles.php?artID=11´


Salon International du Livre Ancien au Grand Palais 2010
Foto © SLAM

Bem resta aguardar pelas impressões dos visitantes deste ano, entretanto vamos espreitando alguns dos catálogos dos livreiros-antiquários presentes.

Saudações bibliófilas.