quarta-feira, 31 de março de 2010

XXII Salon International du Livre Ancien 2010 – Paris




Paris

Depois de uma noticia que entristeceu o mundo bibliofilia, refiro-me ao falecimento de José Mindlin, eis que já se aproxima um dos eventos anuais mais aguardado pelos mesmos – o Salon International du Livre Ancien.

Como em tudo na vida “o mundo não pára”! Há que prosseguir a nossa caminhada aprendendo com os exemplos daqueles que já nos deixaram e tentar aproximarmo-nos da sua competência e erudição.

Fazer com que esta nossa paixão, que consegue reunir, pelo menos em frente do monitor dum computador, pessoas de todos os continentes sem preconceitos... apenas com um único valor presente e comum: o grande amor pelo livro!


Les Boulvards de Paris pris du grand Caffé prés le Reservoir de la Ville.
A Paris : chez Daumont, [17--]
gravura : água-forte aguarelada

Como é do conhecimento da maioria de nós vai realizar-se no Grand Palais em Paris de 16 a 18 de abril 2010 o «XXII Salon International du Livre Ancien» com organização do SLAM (Syndicat national de la Librairie Ancienne et Moderne)
O evento decorre das 11h à 20h sendo o custo da entrada de 8 €.


Salon International du Livre Ancien

Com uma programação bastante interessante, será seguramente uma visita altamente proveitosa para todos aqueles que possam estar presentes neste evento.


Le Grand Palais

Para o fascínio deste acontecimento aguardado sempre com grande expectativa todos os anos, convido-vos a ver o vídeo sobre o SALON de 2009.

Bom aqui fica o convite.
Visitar Paris é sempre um prazer e conciliar este com a visita a uma magnifica exposição de livros antigos então é quase a perfeição para o bibliófilo.

Saudações bibliófilas ... e votos de boa estadia

terça-feira, 30 de março de 2010

IN MEMORIAM JOSÉ MINDLIN


"A gente passa, os livros ficam"
José Ephim Mindlin




Jose Ephim Mindlin

Não quero deixar passar em claro este acontecimento triste para o mundo da bibliofilia de língua portuguesa e não só.

Embora com algum atraso, pois só há pouco tomei conhecimento da ocorrência, quero expressar aqui as minhas condolências pelo falecimento na manhã de domingo, 28 de Fevereiro, em São Paulo, do bibliófilo José Ephim Mindlin. Era o mais notável bibliófilo de língua portuguesa.

Tinha 95 anos e estava internado há cerca de um mês no Hospital Albert Einstein.

Formado em Direito pela Universidade de São Paulo era um apaixonado por livros. Em junho de 2009, ele doou a sua biblioteca, a maior colecção particular de livros do Brasil, para a USP, criando “A Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin”.

Era membro da Academia Brasileira de Letras (ABL). Viúvo de Guita Mindlin, uma das fundadoras da ABER (Associação Brasileira de Encadernação e Restauro)


Jose Mindlin na sua Biblioteca

Na entrevista à Folha de S. Paulo, em 2004, época em que lançava o livro "Memórias Esparsas de uma Biblioteca", Mindlin definiu-se como um "compulsivo patológico" na arte de coleccionar livros.

Aos 13 anos, começou a formar a biblioteca que reuniu mais de 35 mil títulos ao longo dos anos em sua casa. Proponho que se veja este vídeo sobre José Mindlin (1914-2010) e a sua biblioteca,

Questionado sobre se existia um livro preferido em meio a tantos que coleccionava, Mindlin disse que uma das características da bibliofilia era a poligamia. "Não há como dizer prefiro este ou aquele", afirmou.


 José Mindlin exibe na sua casa, em 2006
o exemplar de "Grande Sertão: Veredas"

Entre os destaques da sua colecção particular estavam a versão original de "Grande Sertão: Veredas", de João Guimarães Rosa, a primeira edição de "Os Lusíadas", de Camões, e outras primeiras edições, como as de "O Guarani", de José de Alencar, e "A Moreninha", de Joaquim Manuel de Macedo.


Ex-libris de José Mindlin

"Eu passei 15 anos atrás de um exemplar de 'O Guarani'. Soube que estava com um grego, mandei muitas cartas a ele, que nunca respondia. Estava em Paris quando um livreiro me disse que estava com esse grego. Depois de muitas idas e vindas, o livro está comigo", disse em 2004.

Que o seu exemplo seja um guia para todos nós.

domingo, 28 de março de 2010

Manuel Maria Barbosa du Bocage e as suas polémicas com José Daniel Rodrigues da Costa




Manuel Maria Barbosa du Bocage

Retomando um pouco o “fio à meada”, vou deixar mais alguns apontamentos sobre Manuel Maria Barbosa du Bocage, desta vez, sobre um dos temas que o tornaram famoso e temido – as suas polémicas!

Com efeito, quem “não lhe caísse em graça” seria uma vitima da sua verve poética e objecto do seu sarcasmo, sempre que para isso tivesse ocasião ... quando não era ele que a criava!

Tome-se como exemplo José Daniel Rodrigues da Costa.
Este era oficial das portas da cidade em Belém para impedir a entrada do vinho sem guia, a quem Bocage chamava de “Beleguim do Parnaso”.

De modo algum era merecedor dos elogios que o «Jornal de Coimbra» lhe tecia, mas não era totalmente desprovido de mérito.

A sua obra de referência é «O Almocreve das Petas» mas escreveu alguns outros textos igualmente com interesse.


José Daniel Rodrigues da Costa

José Daniel Rodrigues da Costa, tinha por hábito andar sempre com folhetos seus nas algibeiras, oferecendo-os pelas ruas a quem passasse, antes de os entregar a Belchior Semedo para os corrigir, para publicação. (1)

Contra este homem Bocage muitos sonetos disparou; veja-se entre outros: «Ao machucho poetarrão».

Das petas e almocreve é cousa tua,
Bem se vê, Daniel, na phrase o gosto:
Adiça três de Abril, ou seis de Agosto,
É de quem vende as rimas pela rua.

Cheira a teu nome o roubo da perua.,
E entre o tostado arroz o gato posto;
Eis a obra melhor que tens composto,
Inda que de artifício e graças nua.
A gente por Lisboa anda pasmada
Vendo-te farto, e cheio com o um ovo,
Dos alvos pintos que te deu por nada;



E frio de terror sussurra o povo,
Que a tua estupidez anda pejada,
E que cedo se espera um parto novo.


Gravura colorida, séc. XVIII, 410 x 825 mm
Projecto para a Praça do Comércio atribuído a Eugénio dos Santos.

Ou este outro, precedido do título: “A I.D.R.C. , esbirro terrível pela penna e cordel” (2):

– «Não presta Corydon, não presta Elpino,
«Filinto ó ninharia, é lixo Alfeno,
«Albano falla só do Tejo ameno,

«Só tardes e manhans descreve Alcino.
«Trescala aos seiscentistas o Paulino:
«Pois Bocage! Isso é peste, isso é veneno!»
(Rosnava charlatão rolho e pequeno,
Pequeno em corpo, em alma pequenino). (3)
– «Quem tem voss’mecê (lhe sahi d’um lado
Taful do sério rancho das lunetas),
«Quem acha para versos extremados?»
– «Quem?» (diz o tal): «Não fação caretas:
«Um que de seus papeis anda pejado,
«Poeta de pregões, cantar de petas»
«O aguazi! Daniel, cantor de petas»..



Mas, pobre José Daniel, não era só ultrajado em sonetos, pois que tal também acontecia, frequentemente em público.

Vejamos este episódio, contado por José Feliciano de Castilho e por Rebello da Silva, o que lhe confere um bom grau de veracidade..

“Uma tarde estando eu (4) na loja do José Pedro (5) , entra Bocage e diz-me:


– Sabes quem me veio hoje procurar? O homem das Petas. Vinha muito concho e modesto, exaltando-me às nuvens ... até que o intrugi, quando me tartamudeou:
– Cá eu não me posso medir com V.m.
– Mas eu também não sou nenhum côvado, lhe respondi.
– Mas é que a sua concorrência ...
– Eu não trago contracto arrematado.
– Pois traga ou não, torna o homem quasi a chorar, pelo amor de Deos não me tome à sua conta, que eu não quero glórias, quero pão!
– Tive dó do homem, tive, acrescentava Bocage, mas lá os taes versos d’elle, como amigo sempre digo lh’os não comprem!


Rossio – Lisboa

Sahimos da loja de bebidas, para o Passeio, e ao voltar a esquina do Rocio, deu Bocage com os olhos n’um cartaz annuncando o II tomo das “Rimas” de José Daniel, com os maiores e mais nauseabundos elogios. Ahi lhe vi eu fazer um maravilhoso esforço! Mal tinha olhado para o cartaz, começou, como se estivesse lendo o que se achasse escripto na parede, a recitar, sem hesitação n’uma unica syllaba, o seguinte:

Tomo segundo à luz sahio das Rimas
De José Daniel Rodrigues Costa;
Obra mui devagar, mui bem composta,
E sujeita depois a doutas limas.

Falla em opios, em manas, falla em primas;
Diz cousas de que a plebe não desgosta;
Malha em peraltas, na relé disposta
A saltos, macaquices, pantominas.

Por estas, e por outras que tem feito,
Verá qualquer leito, nas obras suas,
Que elle para versar nasceu com geito.

Achão-se em tendas, achão.se em commuas;
E para augmentar honra e proveito,
As vende o próprio autor por essas ruas.”


Café Nicola – Lisboa

Como remate, trago mais este episódio, anterior a este que referi, pois na altura ainda os dois “seriam mais ou menos amigos”.

– Ó José Daniel, entremos aqui no Nicola,
– Prompto.
– Manda vir genebra e cigarros.
Depois de refocilados, diz Bocage:
– Ora agora paga, para irmos dar uma volta à Lage.
– Paga! Non potest esse, que estou á paz de pirolo. Paga tu!
– Eu é que não arroto de ricaço; não convidasses um pobretão.
– Pobretão! Pobretão!

Todo o homem pobretão
Deve ser como o cabrito;
Ou morrer em pequenino,
Ou crescer para cabrão.


Este exemplo reflecte bem o espirito irreverente e mordaz de Bocage e muitos outros foram objecto da sua mordacidade poética e não só.

Espero que esta “pincelada” vos tenha transmitido mais uma outra faceta de Bocage e os ajude a reconstituir a sua imagem de homem e como ele viveu o seu tempo.


Saudações bibliófilas


(1) Por questão de opção pessoal, como já é habitual, apresentam-se os textos com a ortografia como foram publicados.

(2) A maioria foi vendida como livros de cordel.

(3) Segundo Inocêncio Francisco da Silva estes dois versos referem-se ao Dr. José Tomas Quintanilha.

(4) Refere-se a D. Gastão Fausto da Câmara Coutinho

(5) Trata-se de José Pedro da Silva proprietário do antigo «Botequim das Parras» no Rossio em Lisboa.


Bibliografia:

BOCAGE, Manuel Maria Barbosa du. - POESIAS DE... Colligidas em nova e completa edição. Dispostas e anotadas por I. F. da Silva. E precedidas de um estudo biographico e litterario sobre o poeta, escripto por L. A. Rebello da Silva. Tomo I (ao Tomo VI). Lisboa, Editor: A. J. Lopes. MDCCCLIII. 6 Vols. In-8º

CUNHA, Xavier da – A Bíblia dos Bibliophilos – Divagações Bibliographicas e Biblioeconómicas pelo Director da Biblioteca Nacional de Lisboa. Coimbra, Imprensa da Universidade, 1911. 103 pp. Br.

NORONHA, José Feliciano de Castilho Barreto e – Manoel Maria Barbosa du Bocage. Excertos ... Tomo III. Rio de Janeiro, Livraria B. L. Garnier Editor, 1867. In 4º de 326 pp.

Livraria Alfarrabista de Miguel de Carvalho - Novidades




Livraria Miguel de Carvalho

Como já vem sendo hábito a Livraria Alfarrabista de Miguel de Carvalho apresenta na sua Livraria Virtual as novidades para o Março.

Reúne um excelente lote de livros de Jaime Cortesão, cuja consulta é sempre importante para o estudo dos Descobrimentos Portugueses, assim como alguns dos títulos publicados pelas Publicações Dom Quixote na sua «Colecção Portugal de Perto».
Do conjunto deste bom acervo destaco, no entanto, estas três obras de inegável raridade.


NEGREIROS, José de Almada – Antes de Começar

Lisboa, Gráfica Monumental, 1956. In-8º de 12 págs. Brochado.
Primeira edição, muita rara e cremos que única desta peça de teatro representada em Lisboa no Teatro Nacional D. Maria II pelo Teatro Universitário de Lisboa sob a direcção artística de Fernando Amado.
Cenário foi de Almada Negreiros, os protagonistas Lourdes de Castro e Luis Filipe Abreu com figurinos, caracterização, e desenhos de fundo da autoria de Lourdes de Castro.


ANDRADE, Eugénio de – Adolescente. Poemas de ... Desenhos de Manuel Ribeiro de Pavia

Lisboa, Editorial Império, 1942. In-8º de 58-(3) págs. br. Exemplar muito bem conservado, conservando o papel originalmente bem encorpado. Ilustrado com dois belos desenhos de Pavia.
Primeira edição do primeiro título da sua extensa bibliografia. MUITO RARO e bastante apreciado pelos bibliófilos.


CUNHA, Cardeal Nuno da (INQUISIÇÃO) –  CARTA PUREZA DE SANGUE a favor de António Ferreira Cardoso e família (de Lavarrabos do Campo, bispado de Coimbra)

Manuscrito caligráfico de elevada beleza sobre pergaminho assinado pelo Inquisidor Geral da Cidade de Coimbra, Cardeal D. Nuno da Cunha, datado de 9 de Janeiro de 1731. Dim: 36 x 24 cm., conserva o muito bonito selo pendente em lacre vermelho albergado numa caixa circular de madeira e suspenso por intermédio de fita de seda verde.
Peça de elevado valor museulógico, muito bem conservado e de rara beleza.

Aproveito também para anunciar a participação desta livraria-antiquária no lançamento da edição fac-similada de «MATERIAES PARA A HISTORIA DA FIGUEIRA DA FOZ NOS SECULOS XVII E XVIII» da autoria de António dos Santos Rocha, na ocasião da Comemoração dos 100 anos passados da sua morte levadas a cabo pela municipalidade da Figueira da Foz na Biblioteca Municipal.


Convite

Espero que a vossa visita seja proveitosa e que tenham encontrado algum livro do vosso interesse.

Saudações bibliófilas

sábado, 27 de março de 2010

Renascimento, SA – Leilão de Março 2010: uma retrospectiva





Em relação a este Leilão, de que aqui se deixou notícia na altura, troquei impressões com José Ferreira Vicente, sem o que seria impossível esboçar estes apontamentos, que me transmitiu a sua opinião sobre o mesmo.

“Quanto ao leilão, um dos melhores que realizamos na Renascimento, ficou um pouco aquém das expectativas, especialmente no livro antigo. No entanto na literatura, correu muito bem.

Como vê, em geral foi um bom leilão, pena foi que algumas peças importantes não terem sido vendidas, para a realização do pleno. Mas, são os ventos que correm neste período…”

Ficam abaixo os valores de algumas das obras vendidas.


Ruy Belo:



101 – Aquele Grande Rio Eufrates – € 200


Camilo Castelo Branco:

203 - Amor de Perdição (1862) – € 420
214 - O Caleche (1849) – € 700



256 – Hossana (1852) – € 350
257 - Horas de Lucta – € 1.700


Ferreira de Castro:

331 – Mas… –  € 350



404 – O Portugal Vinicola – € 750


João de Deus:

444 –Cartilha Maternal – € 550


Herberto Helder:

694 – O Amor em Visita – € 1.150
696 – A Colher na Boca – € 220



697 – Electronico-lirica – € 480
699 – Poemacto – € 480


Agustina Bessa Luís:

809 – Longos dias têm cem anos – € 650


Vitorino Nemésio:

943 – Mau Tempo no Canal – € 160


Alexandre O’Neill

970 – Feira Cabisbaixa – € 90

Ramalho Ortigão e Eça de Queiroz

987 – As Farpas – € 1.600


Luiz Pacheco:




992 – Carta Sincera a José Gomes Ferreira – € 100

Cardoso Pires

1044 – Caminheiros e outros poemas – € 160

Eça de Queirós:

1084 – O Crime do Padre Amaro – € 950 (1)
1085 – Dicionário de Milagres – € 240
1088 – A Illustre Casa de Ramires – € 280
1095 – O Primo Basilio – € 420
1099 – A Reliquia – € 260

Oliveira Salazar:




 1200 – Discursos (Volume I-VI) – € 1.400


José Saramago (2):

1232 – O Embargo – € 190
1236 – Provavelmente Alegria – € 500


Os Livros Antigos:

484 – FARIA, Manuel Severim de. – NOTICIAS // DE // PORTUGAL // ESCRITAS POR // ... // CHANTRE, E CONEGO DA SÉ E EVORA.// EM QUE SE DECLARAM AS GRANDES COMMODIDADES, QUETEM // para crescer em gente, industria, commercio, riquezas, e forças militares por // mar, e terra, as Origens de todos os appellidos, e Armas das Familias // Nobres do Reyno, as Moedas, que correrão nesta Provincia do // tempo dos Romanos atè o presente, e se referem varios // Elogios de Principes, e Varoens Illustres Portuguezes. // Nesta segunda Impressão acrescentadas, // PELO PADRE // D. JOZÉ BARBOSA // ... // LISBOA OCCIDENTAL, // Na Officina de Antonio Isidoro da Fonseca. // Anno de M.DCC.XL. In-4º de [24], 446 págs. Enc. – € 650

588 – GOMES, António Henriques. – TRIVMPHO // LVSITANO // RECIBIMIENTO // que mandô hazer Su Mages- // tade el Christianissimo Rey de // Francia Luis XIII a los Em // baxadores Extraordina- // rios, que S. M. el Serenissimo Rey D. Iuan // el IV. de Portugal // le embiô el año // de 1641. // Fue impresso em Francia, y aora de nuevo en // esta Ciudad de Lisboa. // Lisboa. Na Officina de Lourenço de Anueres. // 1641. In-8º de [8], 30, [2] págs. Enc. – € 600

682 – GUERREIRO, João Tavares de Vellez. – JORNADA, // QUE // ANTONIO DE ALBUQUERQUE // COELHO, // Governador, e Capitaõ General da Cidade do // Nome de Deos de Macao na China, // Fez de Goa até chegar á dita Cidade no // anno de 1718. Dividida em duas partes. // Escrita // PELO CAPITÃO // ... // LISBOA OCCIDENTAL, // Na Officina da Musica . M.DCC.XXXII. In-8º peq. de [16], 427 págs. Enc. – € 900




684 – GUIGNES, Chrétien Louis Joseph de. – VOYAGES A PEKING, MANILLE ET L'ILE DE FRANCE, Faits dans l'intervalle des années 1784 à 1801. Tome Premier (ao Tome Troisième). Paris. De l'Imprimerie Impériale. MDCCCVIII. 3 Vols. In-8º + Atlas. In-4º. Os 4 Vols. Encs. – € 4.000



1207 – SANTA RITA DURÃO, Fr. José de. - CARAMURÚ. // POEMA EPICO // DO DESCUBRIMENTO // DA BAHIA, // COMPOSTO // por... // LISBOA // Na Regia Officina Typogragica. // Anno M.DCC.LXXXI. In-8º de 307 págs. Enc. – € 1.000

1249 – SEQUEIRA, Gaspar Cardoso de. – THESOURO // DE // PRUDENTES, // NOVAMENTE TIRADO A LUZ POR // … // Mathematico, natural de Murça. // CONTEM EM SI QUATRO LIVROS, // cuja relação vay no seguinte Prologo // Vay acrecentado de novo nesta ultima impressão // o Pronostico, & Lunario perpetuo, feyto pelo // mesmo autor, & agora reno-vado // Ultimamente se lhe acrescentou huma breve noticia // dos Eclipses, que no Sol, & Lua hão de acon-// tecer neste nosso Orisonte, começando // no anno de 1672, até o de1690. // (Brasão de armas de Portugal // EVORA, // Na Impressão da Universidade. Anno de 1675. In-8º de [8], 318, [8] págs. Enc. – € 850;

1519 – RESENDE, André de. – Libri Quatuor // DE ANTIQVITATIBVS LUSITANIAE // à Lucio Andrea Resendio olim inchoari, & // à Iacobo Menoetio Vasconcello // recognita, atqz absoluti. // Accessit liber quintur de antiquitate municipii Eborensis, ab codem // Vasconcello conscriptus, quo etiam autore, secundus // tomus quinque alios libros continens, cito, // deo opt. Max. Fauente, // in lucem prodibit. // Permittente regia maiestate, & supremo sacro sanctae // inquisitionis senatu, cum priuilegio // ad decennium. // Execudebat Martinus Burgensis academia typographus. // Eborae anno // 1593. // In-4º de [18], 259, fls e 46, [17] págs. Enc. – € 2.800



1524 – SACROBOSCO, Joannes de.– SPHAERA // IOANNIS DE // SACROBOSCO // EMENDATA. // Eliae Vineti Santonis scholia eandem sphae- // ram, ab ipso authore restituta. // Adiunximus huic libro compendium in Sphae- // ram, per Pierium Valerianum Bellunensem, // Et, // PETRI NONII SALENCIENSIS // ... // LVTETIAE, // Apud Gulielmum Cauellat // 1558. In-8º peq. 102, [1] Fls.  Enc. – € 3.500

1538 – TIBULIO. – TIBVLLVS // CVM. COMMENTARIO // ACHILLIS STATII LUSITANI // Cum Priuilegio Senatus Veneti. // VENETIIS // In Aedibus Manutianis. // M. D. LXVII. In-8º peq. de [2], 272, [14] págs. Enc Rara edição Aldina. – € 950

Agora resta-nos apenas reflectir sobre a situação actual do mercado livreiro. Que aliás não é uma questão meramente nacional, mas que se manifesta internacionalmente. (3)

Saudações bibliófilas


(1) Para um valor esperado entre € 700,00 / 1.200,00

(2) Acima da estimativa máxima esperada, o que confirma, de certo modo, a maior procura deste autor.

(3) Como ainda recentemente Alain Marchiset me afirmava: “Je ne sais pas comment est la situation économique au Portugal (et j'imagine qu'elle n'est pas très bonne) ... eh bien vous savez en France elle n'est pas bonne non plus, le marché de la bibliophilie est assez morose je dois dire... Mais, il faut garder le moral !"

quinta-feira, 25 de março de 2010

Fernando Pessoa – Poemas




Fernando Pessoa
Quadro de Almada Negreiros

Em singela homenagem a Fernando Pessoa (1), que é para mim, como para a maioria dos leitores,  um dos maiores poetas  da literatura portuguesa, deixo alguns dos muitos poemas que escreveu.

Fui criticado, se calhar com alguma razão, por ter publicado Cesário Verde no Dia Mundial da Poesia, pois não é um poeta da preferência da maioria dos leitores ... e, curiosamente, também não é da minha!

Mas como já disse algumas vezes, e é fácil entender-se por aquilo que escrevo, que os grandes autores estão um pouco arredados deste espaço.
Porquê?
Também já respondi.

Porque não tenho competência, nem conhecimentos, para fazer a sua análise, qualquer outro espaço, seja Blog ou não, terá informação mais completa e rigorosa daquela que eu possa fornecer e, finalmente, julgo haver autores de segundo plano merecedores da nossa atenção e que, em termos bibliófilos, são ainda “filões” mal explorados e, como tal, melhor “terreno de caçada” para os principiantes.


O Livro de Cesário Verde

A razão da publicação de Cesário Verde foi mais de ordem bibliófila do que de gosto poético, ainda que Cesário Verde tenha um espaço muito próprio no universo da nossa poesia.

Quem poderá negar que uma 1ª edição de apenas 200 exemplares, numerados e com um prefácio do grande amigo do poeta Silva Pinto, feita exclusivamente para os familiares e amigos não seja uma raridade bibliófila?
É claro que não basta ser raro, conheço muitas raridades que pouco valem, mas este livro, das poucas vezes que aparece à venda, é bastante disputado e atinge valores bem interessantes.

Deixo-vos agora com estes versos de Fernando Pessoa, escolhidos ao acaso, apenas tive o cuidado de seleccionar alguns daqueles que assinou com o seu nome e não com um dos seus heterónimos. (2)


Fernando Pessoa


Os Colombos

Outros haverão de ter
O que houvermos de perder.
Outros poderão achar
O que, no nosso encontrar,

Foi achado, ou não achado,
Segundo o destino dado.
Mas o que a eles não toca
É a Magia que evoca

O Longe e faz dele história.
E por isso a sua glória
É justa auréola dada
Por uma luz empresta.


Fernando Pessoa
Estátua na esplanada de «A Brasileira»
Chiado - Lisboa


Teus Olhos Entristecem

Teus olhos entristecem.
Nem ouves o que digo.
Dormem, sonham esquecem...
Não me ouves, e prossigo.

Digo o que já, de triste,
Te disse tanta vez...
Creio que nunca o ouviste
De tão tua que es.

Olhas-me de repente
De um distante impreciso
Com um olhar ausente.
Começas um sorriso.

Continuo a falar.
Continuas ouvindo
O que estas a pensar,
Já quase não sorrindo.

Até que neste ocioso
Sumir da tarde fútil,
Se esfolha silencios
O teu sorriso inútil.


Que jaz no abismo sob o mar que se ergue?


Tormenta

Que jaz no abismo sob o mar que se ergue?
Nós, Portugal, o poder ser.
Que inquietação do fundo nos soergue?
O desejar poder querer.

Isto, e o mistério de que a noite é o fausto...
Mas súbito, onde o vento ruge,
O relâmpago, farol de Deus, um hausto
Brilha e o mar 'scuro 'struge


Espero que, desta vez, tenham gostado mais, para mim é sempre um prazer reler Fernando Pessoa.

Saudações bibliófilas.


(1) Para os amantes, ou estudiosos, da sua obra sugiro que vejam o «Espolio de Fernando Pessoa na BNP».

(2) Para este tema leia-se o link que coloquei no início e prometo voltar a ele qualquer dia.


quarta-feira, 24 de março de 2010

La Librairie L'intersigne – Catalogue Varia n.º 116





Alain Marchiset de «La Librairie L'intersigne» acaba de actualizar, em versão digital pdf, o seu último catalogo temático – o «Catalogue Varia n.º116», que reúne um conjunto de livros, como sempre com inegável interesse e qualidade, abrangendo um grande leque de temas.

Ao contrário do catálogo da Bauman Rare Books, Alain Marchiset, apesar de elaborar o catálogo de uma maneira temática, insere obras de grande raridade com outras que nos atraem pela curiosidade do assunto, denotando um certo cuidado com os preços, de forma a conseguir tentar qualquer um. Aqui também o livro antigo é uma constante, deixando pouca margem para as bizarrias dos americanos. (1) Mas claro que gostos não se discutem ...
Como curiosidade vejam-se alguns exemplos.



15- BOAISTUAU (Pierre). Le théâtre du monde, ou il est faict un ample discours des misères humaines; composé en latin par P. Boaystuau surnommé Launay, puis traduit par luy-mesme en françois. Avec un brief discours de l'excellence & dignité de l'homme. Anvers, impr. de Chr. Plantin, 1570, in 16, de 224pp., ill. de 4 fines gravures h.t. dont le front par Brion gravé par Lachaussée et les autres gravées par Wolfgang Kilian, avec 3 vignettes en ovale rajoutées sur la page de garde, pl. maroquin vert à grain long début XIXe, dos lisse orné, titre et front. réenmargés. (v1).
Rarissime édition illustrée imprimée par Plantin, inconnue des bibliographies et ne figurant à priori dans aucune des grandes bibliothèques publiques, le privilège est daté de 1564. Ce curieux ouvrage montre les misères et malheurs des hommes, le succès en fut grand. Le discours sur la dignité de l'homme fait suite. ¶ Manque à Ruelens & de Backer annales plantiniennes - Brunet I-983 (ne cite pas l'édit. Plantin ni aucune édit. illustrée) - Caillet 1253 (pas d'édit. illustrée) - Guaïta 69 (édit. de 1600) "curieux et recherché" - Pas d'exemplaire au cat. CCFR ni à la BNF - Pas d'exemplaire au cat. KVK. Visiblement une rareté !



139- NODIER (Charles). La Seine et ses bords, Vignettes par Marville et Foussereau. Publiés par M. A. Mure de Pelanne. Paris, Au Bureau de la Publication, 1836, in 8°, de 192pp., y compris le faux-titre et le titre illustré, vignettes in t., ill. de 50 planches h. t. dont 46 vues et 4 cartes, le tout par Marville et Foussereau, demimaroquinbleu-marine XIXe, couv. cons., tête dorée. Très bel exemplaire très frais et grand de marges. (14). Edition originale. Ouvrage typiquement romantique par l'illustration mais dont le propos géo-politique est quelque peu novateur. ¶ Vicaire VI/121 - Carteret III, 432 - Cat. Lacombe 1313.



199- LOBO (R.P. Jérome). Voyage historique d'Abissinie, Traduit du portugais, continué & augmenté de plusieurs dissertations, lettres & mémoires, par M. Le Grand. Amsterdam, aux dépens de la Compagnie, 1728, 2 vol. in 12, de XIII-1f. 346pp. & 1f. 291pp. 10ff. de table, ill. de 2 front. gravés et de 2 cartes se dépl., demi-veau blond époque, dos orné, bel exemplaire (ex-libris gravé Gustaf Trolle-Bonde Säfstaholms Bibliothek, Suède) (13)
Edition française de cette relation, traduite par Joachim Le Grand à partir d'un manuscrit portugais. Un premier tirage in 4° a paru la même année. Le Jésuite portugais Geronimo Lobo (1594-1678) mena une vie aventureuse entre les diverses missions de la Compagnie de Jésus en Afrique et en Asie. Il demeura surtout dans le nord de l'Ethiopie et près des sources du Nil, jusqu'en 1634, date à laquelle les Jésuites furent expulsés par le successeur de Susneyos. Son séjour en Ethiopie se situe donc entre son départ en 1622 pour les Indes et son arrivée effective à Goa : entre temps, le naufrage de son transport portugais, et sa capture par les Turcs, l'avait amené sur les côtes de Mozambique. Il mourut en 1678. Cette édition française contient des notes sur le royaume du Prêtre Jean et la Reine de Saba. ¶ De Backer-Sommervogel IV - 1895 - Chadenat, n°1158 - Gay Afrique 2657.



259- BIRINGUCCIO (Vannuccio). Pirotechnia, ... Nella quale si tratta non solo della diversità delle Minere, ma anco di quanto si ricerca alla pratica di esse, e che s'appartiene all'arte della fusione, ô getto de Metalli... Nuovamente corretta... Bologna, per Gioseffo Longhi, 1678, pet. in 8°, de 16ff. 630pp. 1f. blanc, illustré de près d'une centaine de figures sur bois d'instruments, fourneaux, forges, alambics, canons, armes, fusées, etc..., pl. vélin ivoire époque, titre doré au dos, petit manque à un coin, cachet au verso du titre et très rares rousseurs sinon bel exemplaire. (v1).
Bonne édition du XVIIe siècle de ce fameux livre consacré à la pyrotechnie, aux métaux et à l'alchimie. C'est le premier ouvrage consacré aux arts de la métallurgie: du feu, de la fonte des métaux, de l'affinage de l'or, des fourneaux, du salpêtre, de la poudre, du soufre, des feux d'artifice, de la fonte des cloches, des boulets, de l'artillerie, des armes, des fusées, etc.... La première édition date de 1540. Agricola emprunta plusieurs chapitres à Biringuccio pour son "De re metallica". Le livre IX contient un résumé du "livre des feux" de Marcus Graecus. On notera que l'explication des phénomènes de combustion et de propulsion des fusées sont ingénieuses pour l'époque. ¶ Brunet I,954 "Ce traité, qui a eu beaucoup de succès dans le temps, se trouve difficilement, quoiqu'il en ait été fait plusieurs éditions" - Duveeen p.79 (autres éditions) "famous book on metallurgy and mining, containing interesting chapters on Alchemy and illustrated with very fine woodcuts... Biringuccio should be credited with the first description of silver amalgamation and liquation, and that he was the first to mention colbalt blue and manganese" - Hoover 129 – Dorbon n°368 (pour l'édit. fançaise de 1627) - Hoefer II.49 - Kopp III.221 - Stillman chemistry p.328-336. - Pas dans Ferguson.


209- BEAUMONT (Edouard de).
Enfantillages ou le monde en miniature,

Esperam que se divirtam a consultar o catálogo, pois julgo ser sempre um prazer ver, ou simplesmente rever, o que esta livreiro-antiquário tem para nos oferecer.

Saudações bibliófilas


(1) Este juízo de valor não representa qualquer principio critico em desfavor de qualquer dos livreiros-antiquários, reflecte apenas a minha análise da realidade como cada um encara a suas propostas de vendas. Estamos em face de dois grandes livreiros-antiquários virados para mercados com características completamente diferentes.. Pelo menos é esta a minha visão.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Baumann Rare Books – Collecting: A Catalogue (March Catalogue)





Aqui fica a notícia de mais um excelente catálogo desta prestigiada livraria-antiquária norte-americana.

Não consigui resistir a transcrever aqui a nota introdutória do mesmo, pois contem muitos elementos de reflexão para todos nós.

“I cannot live without books.”
—Thomas Jefferson

"How does one begin to collect? It often starts with a single book. A favorite novel. A book signed or inscribed by someone you admire. Some monumental, world-changing landmark that you never imagined you could own as a first edition. Or something you’ve never seen before that’s just a bit too intriguing to pass up.

From there it grows. You rarely stop with one. One of our collectors remembers placing his first purchase from us on his shelf. It looked good, so he bought another. Pretty soon, he had a collection. Or an obsession, as he happily puts it.

One needs focus. Energy. Purpose. It is said that in order to build the great library of Alexandria, the pharaohs searched visiting ships for manuscripts, which were then seized and deposited in the library. Extreme measures, perhaps, but in the pursuit of a remarkable goal—for the first time in the history of the world, men attempted to gather all the world’s knowledge in one place. The library was destroyed, but the ambition lives on.

Thomas Jefferson amassed not one but three distinct collections of books in his lifetime. The second, which is the most famous, is the one that he sold to the government after the British burned the national libraryin the war of 1812. It became the core of the Library of Congress. But the first is equally intriguing—the one that he collected as a young man that was burned in a fire at the family home in 1770. A great loss — the actual volumes that were read and studied by a young Thomas Jefferson, the man who wrote the Declaration of Independence. Despite losing one library to fire and selling the next (out of patriotism, and, alas, financial necessity as well) Jefferson continued to collect books well into his old age and built yet a third substantial library in his later years.


Our Collectors


Every collector finds a focus. It can be as broad as all of the great and influential books, or it can be quite narrow. One of our collectors moved to Wyoming after living in cities for many years and, seeking to learn more about his new home, became fascinated by the early tales of western exploration that were usually accompanied by fragile, well-worn maps. With each new book we’d present, he would carefully spread out each map and trace with his finger the route of the expedition and how far it journeyed into the long-unexplored and mysterious region in which he now lives. With every first edition he purchased, he’d ask that we find him a reading copy. His library today is formidable, and his love and knowledge of the history of the American West is as impressive.


The Grand Canyon

In this catalogue we present a few areas of collecting to illustrate some of the possibilities. One can put together a group of books that documents the exploration of the American West — riveting first-hand accounts by the explorers who truly did not know what lay in wait over the next ridge of mountains. Or collect the iconic, beautifully dust-jacketed modern firsts of the 20th century that present a kaleidoscopic view of our modern times. Or gather the great and monumental landmarks of the history of thought—those books that shaped our theories of philosophy, economics, society, and faith. The possibilities are indeed endless, but here we give you a few to consider.

Every great library since the beginning of the written word has attempted to illuminate. From the grandest — like the Alexandrian library, which attempted to house every work that had yet been written—to the most humble, when we begin to collect, we begin to tell a story. Decide on the story you will choose."


Collecting History of Thought

De facto, reunindo algumas obras de raridade, este catálogo está fundamentalmente elaborado duma forma pedagógica para um principiante em coleccionismo bibliófilo.

Claro que principiante americano e português têm algumas “pequenas discrepâncias”: sobretudo a nossa formação, mais inspirada na cultura bibliófila europeia, versus o poder de compra dos americanos, mas mesmo com estas limitações julgo que poderemos aprender sempre um pouco mais.

A opção pessoal é sempre soberana, mas é evidente que ter algumas ideias mestras para orientação, ou algumas noções de que obras procurar para poder construir um biblioteca bibliófila (que é sempre diferente da do bibliómano) são elementos que não podemos rejeitar, mesmo que os princípios que as orientem possam divergir das nossas concepções.

Claro que o catálogo tem obras que rejeitaria, mas tem outras que eu, como um grande número de outros bibliófilos, não desdenharia de ter na minha biblioteca.

Mas é precisamente esta diversidade que torna tão fascinante este coleccionismo, cada biblioteca tem uma “alma” que reflecte com muito segurança, e sem grande margem de erro, a personalidade do seu construtor.


A Biblioteca dos Sonhos

Aproveito para oferecer esta imagem, que o meu estimado amigo Marco Pedrosa teve a gentileza de partilhar comigo, para poderem apreciar uma das vertentes, para mim das mais fascinantes, da bibliofilia: as encadernações.
Trata-se de «A Biblioteca dos Sonhos» ... penso que é bem merecido este nome!

Espero que achem atractiva a consulta do catálogo e que este vos propicie alguns momentos de reflexão.

Quanto aos livros, talvez não teremos grandes tentações (ainda que tenha exemplares europeus com inegável interesse) mas teremos, de certeza, um guia de como se poderá começar a formar uma biblioteca.

Saudações bibliófilas

domingo, 21 de março de 2010

No Dia Mundial da Poesia




Resumo - a Poesia em 2009 (1)

No Dia Mundial da Poesia, que se celebra hoje 21 de Março, deixo aqui estes poemas de Cesário Verde.
José Joaquim Cesário Verde nasceu em Lisboa a 25 de Fevereiro de 1855 e aqui faleceu, no Lumiar, a 19 de Julho de 1886. Filho do lavrador e comerciante José Anastácio Verde e de Maria da Piedade dos Santos Verde.

Cesário matriculou-se no Curso Superior de Letras em 1873, que frequentou apenas por alguns meses. Ali conheceu Silva Pinto, grande amigo para o resto da vida. Dividia-se entre a produção de poesias (publicadas em jornais) e as actividades de comerciante, herdadas do pai.


Cesário Verde

Em 1877 começou a dar sinais a tuberculose, doença que já lhe tirara o irmão e a irmã. Estas mortes servem de inspiração a um de seus principais poemas, Nós (1884).

A A. da S. V.

I

Foi quando em dois verões, seguidamente, a Febre
E o Cólera também andaram na cidade,
Que esta população, com um terror de lebre,
Fugiu da capital como da tempestade.

Ora, meu pai, depois das nossas vidas salvas
(Até então nós só tivéramos sarampo),
Tanto nos viu crescer entre uns montões de malvas
que ele ganhou por isso um grande amor ao campo!

Se acaso o conta, ainda a fronte se lhe enruga:
O que se ouvia sempre era o dobrar dos sinos;
Mesmo no nosso prédio, os outros inquilinos
Morreram todos. Nós salvamo-nos na fuga.

Na parte mercantil, foco da epidemia,
Um pânico! Nem um navio entrava a barra,
A alfândega parou, nenhuma loja abria,
E os turbulentos cais cessaram a algazarra.

Pela manhã, em vez dos trens dos batizados,
Rodavam sem cessar as seges dos enterros.
Que triste a sucessão dos armazéns fechados!
Como um domingo inglês na city, que desterros!

Sem canalização, em muitos burgos ermos
Secavam dejeções cobertas de mosqueiros.
E os médicos, ao pé dos padres e coveiros,
Os últimos fiéis, tremiam dos enfermos!

Uma iluminação a azeite de purgueira,
De noite amarelava os prédios macilentos.
Barricas de alcatrão ardiam; de maneira
Que tinham tons de inferno outros arruamentos.

Porém, lá fora, à solta, exageradamente,
Enquanto acontecia essa calamidade,
Toda a vegetação, pletórica, potente,
Ganhava imenso com a enorme mortandade!

Num ímpeto de selva os arvoredos fartos,
Numa opulenta fúria as novidades todas,
Como uma universal celebração de bodas,
Amaram-se! E depois houve soberbos partos.

Por isso, o chefe antigo e bom da nossa casa,
Triste de ouvir falar em órfãos e em viúvas,
E em permanência olhando o horizonte em brasa,
Não quis voltar senão depois das grandes chuvas.

Ele, dum lado, via os filhos achacados,
Um lívido flagelo e uma moléstia horrenda!
E via, do outro lado, eiras, lezírias, prados,
E um salutar refúgio e um lucro na vivenda!

E o campo, desde então, segundo o que me lembro,
É todo o meu amor de todos estes anos!
Nós vamos para lá; somos provincianos,
Desde o calor de maio aos frios de novembro!


Que fruta! E que fresca e temperã,


II

Que de fruta! E que fresca e temporã,
Nas duas boas quintas bem muradas,
Em que o Sol, nos talhões e nas latadas,
Bate de chapa, logo de manhã!

O laranjal de folhas negrejantes,
(Porque os terrenos são resvaladiços)
desce em socalcos todos os maciços,
omo uma escadaria de gigantes.

Das courelas, que criam cereais,
De que os donos - ainda! - pagam foros,
Dividem-no fechados pitosporos,
Abrigos de raízes verticais.

Ao meio, a casaria branca assenta
À beira da calçada, que divide
Os escuros pomares de pevide,
Da vinha, numa encosta soalhenta!

Entretanto, não há maior prazer
Do que, na placidez das duas horas,
Ouvir e ver, entre o chiar das noras,
No largo tanque as bicas a correr!

Muito ao fundo, entre olmeiros seculares,
Seca o rio! Em três meses de estiagem,
O seu leito é um atalho de passagem,
Pedregosíssimo, entre dois lugares.

Como lhe luzem seixos e burgaus
Roliços! E marinham nas ladeiras
Os renques africanos das piteiras
Que como alóes espigam altos paus

Montanhas inda mais longinquamente,
Com restevas e combros como boças,
Lembram cabeças estupendas, grossas,
De cabelo grisalho, muito rente.

E, a contrastar, nos vales, em geral,
Como em vidraça duma enorme estufa,
Duma vitalidade equatorial!
Que de frugalidades nós criamos!

Que torrão espontâneo que nós somos!
Pela outonal maturação dos pomos,
Com a carga, no chão pousam os ramos.
E assim postas, nos barros e areais,

As macieiras vergadas fortemente,
Parecem, duma fauna surpreendente
Os pólipos enormes, diluviais.
Contudo, nós não temos na fazenda,

Nem uma planta só de mero ornato!
Cada pé mostra-se útil, é sensato,
Por mais aromas que recenda!
Finalmente, na fértil depressão,

Nada se vê que a nossa mão não regre:
A florescência dum matiz alegre
Mostra um sinal - a frutificação!

Ora, há dez anos, neste chão de lava
E argila e areia e aluviões dispersas,
Entre espécies botânicas diversas,
Forte, a nossa família radiava!

Unicamente, a minha doce irmã,
Como uma tênue e imaculada rosa,
Dava a nota galante a melindrosa
Na trabalhadeira rústica, aldeã.

E foi num ano pródigo, excelente,
Cuja amargura nada sei que adoce,
Que nós perdemos essa flor precoce,
Que cresceu e morreu rapidamente!

Ai daqueles que nascem neste caos,
E, sendo fracos, sejam generosos!
As doenças assaltam os bondosos
E - custa a crer - deixam viver os maus

Fecho os olhos cansados, e descrevo
Das telas da memória retocadas,
Biscates, hortas, batatais, latadas,
No país montanhoso, com relevo!

Ah! que aspectos benignos e rurais
Nesta localidade tudo tinha,
Ao ires, com o banco de palhinha,
Para a sombra que faz nos parreirais!

Ah! quando a calma, à sesta, nem consente
Que uma folha se mova ou se desmanche,
Tu, refeita e feliz com o teu lunch,
Nos ajudavas, voluntariamente!...

Era admirável - neste grau do Sul! -
Entre a rama avistar teu rosto alvo,
Ver-te escolhendo a uva diagalvo,
Que eu embarcava para Liverpool.

A exportação de frutas era um jogo:
Dependiam da sorte do mercado
O boal, que é de pérolas formado,
E o ferral, que é ardente e cor de fogo!

Em agosto, ao calor canicular,
Os pássaros e enxames tudo infestam.
Tu cortavas os bagos que não prestam
Com a tua tesoura de bordar.

Douradas, pequeninas, as abelhas,
E negros, volumosos, os besouros,
Circundavam, com ímpetos de touros,
As tuas candidíssimas orelhas.

Se uma vespa lançava o seu ferrão
Na tua cútis - pétala de leite! -
Nós colocávamos dez-réis e azeite
Sobre a galante, a rósea inflamação!

E se um de nós, já farto, arrenegado,
Com o chapéu caçava a bicharia,
Cada zangão voando, à luz do dia,
Lembrava o teu dedal arremessado.

Que de encantos! Na força do calor
Desabrochavas no padrão da bata,
E, surgindo da gola e da gravata,
Teu pescoço era o caule duma flor!

Mas que cegueira a minha! Do teu porte
A fina curva, a indefinida linha,
Com bondades de herbívora mansinha,
Eram prenúncios de fraqueza e morte!

À procura da libra e do shilling,
Eu andava abstrato e sem que visse
Que o teu alvor romântico de miss
Te obrigava a morrer antes de mim!

E antes tu, ser lindíssimo, nas faces
Tivesses "pano" como as camponesas:
E sem brancuras, sem delicadezas,
Vigorosa e plebéia, inda durasses!

Uns modos de carnívora feroz
Podias ter em vez de inofensivos;
Tinhas caninos, tinhas incisivos,
E podias ser rude como nós!

Pois neste sítio, que era de sequeiro,
Todo o gênero ardente resistia,
E, à larguíssima luz do Meio-Dia,
Tomava um tom opálico e trigueiro!

Sim! Europa do Norte, o que supões
Dos vergéis que abastecem teus banquetes,
Quando às docas com frutas, os paquetes
Chegam antes das tuas estações?!

Oh! As ricas primeurs da nossa terra
E as tuas frutas ácidas, tardias,
No azedo amoniacal das queijarias
Dos fleumáticos farmers de Inglaterra!

Ó cidades fabris, industriais,
De nevoeiros, poeiradas de hulha,
Que pensais do país que vos atulha
Com a fruta que sai de seus quintais?


Todos os anos, que frescor se exala!


Todos os anos, que frescor se exala!
Abundâncias felizes que eu recordo!
Carradas brutas que iam para bordo!
Vapores por aqui fazendo escala!

Uma alta parreira moscatel
Por doce não servia para embarque:
Palácios que rodeiam Hyde-Park,
Não conheceis esse divino mel!

Pois a Coroa, o Banco, o Almirantado,
Não as têm nas florestas em que há corças,
Nem em vós que dobrais as vossas forças,
Pradarias dum verde ilimitado!

Anglos-saxônios, tendes que invejar!
Ricos suicidas,comparai convosco!
Aqui tudo espontâneo, alegre, tosco,
Facílimo, evidente, salutar!

Oponde às regiões que dão os vinhos
Vossos montes de escórias inda quentes!
E as febris oficinas estridentes
Às nossas tecelagens e moinhos!

E ó condados mineiros! Extensões
Carboníferas! Fundas galerias!
Fábricas a vapor! Cutelarias!
E mecânicas, tristes fiações!

Bem sei que preparais corretamente
O aço e a seda, as lâminas e o estofo;
Tudo o que há de mais dúctil, de mais fofo,
Tudo o que há de mais rijo e resistente!

Mas isso tudo é falso, é maquinal,
Sem vida, como um círculo ou um quadrado,
Com essa perfeição do fabricado,
Sem o ritmo do vivo e do real!

E cá o santo Sol, sobre isto tudo,
Faz conceber as verdes ribanceiras;
Lança as rosáceas belas e fruteiras
Nas searas de trigo palhagudo!

Uma aldeia daqui é mais feliz,
Londres sombria, em que cintila a corte!...
Mesmo que tu, que vives a compor-te,
Grande seio arquejante de Paris!...

Ah! Que de glória, que de colorido,
Quando, por meu mandado e meu conselho,
Cá se empapelam "as maçãs de espelho"
Que Herbert Spencer talvez tenha comido!

Para alguns são prosaicos, são banais
Estes versos de fibra suculenta;
Como se a polpa que nos dessedenta
Nem ao menos valesse uns madrigais

Pois o que a boca trava com surpresas
Senão as frutas tônicas e puras!
Ah! Num jantar de carnes e gorduras
A graça vegetal das sobremesas!...

Jack, marujo inglês, tu tens razão
Quando, ancorando em portos como os nossos,
As laranjas com cascas e caroços
Comes com bestial sofreguidão!...

A impressão doutros tempos, sempre viva,
Dá estremeções no meu passado morto,
E inda viajo, muita vez, absorto,
Pelas várzeas da minha retentiva.

Então recordo a paz familiar,
Todo um painel pacífico de enganos!
E a distância fatal duns poucos anos
É uma lente convexa, de aumentar.

Todos os tipos mortos ressuscito!
Perpetuam-se assim alguns minutos!
E eu exagero os casos diminutos
Dentro dum véu de lágrimas bendito.

Pinto quadros por letras, por sinais,
Tão luminosos como os do Levante,
Nas horas em que a calma é mais queimante,
Na quadra em que o Verão aperta mais.

Como destacam, vivas, certas cores,
Na vida externa cheia de alegrias!
Horas, vozes, locais, fisionomias,
As ferramentas, os trabalhadores!

Aspiro um cheiro a cozedura, e a lar
E a rama de pinheiro! Eu adivinho
O resinoso, o tão agreste pinho
Serrado nos pinhais a beira-mar.

Vinha cortada, aos feixes, a madeira,
Cheia de nós, de imperfeições, de rachas;
Depois armavam-se, num pronto as caixas
Sob uma clama espessa e calaceira!

Feias e fortes! Punham-lhes papel
A forrá-las. E em grossa serradura
Acamava-se a uva prematura
Que não deve servir para tonel!

Cingiam-nas com arcos de castanho
Nas ribeiras cortados, nos riachos;
E eram de açúcar e calor os cachos,
Criados pelo esterco e pelo amanho!

Ó pobre estrume, como tu compões
Estes pâmpanos doces como afagos!
"Dedos-de-dama": transparentes bagos!
"Tetas-de-cabra": lácteas carnações!

E não eram caixitas bem dispostas
Como as passas de Málaga e Alicante;
Com sua forma estável, ignorante,
Estas pesavam, brutalmente, às costas!

Nos vinhatórios via fulgurar,
Com tanta cal que torna as vistas cegas,
Os paralelogramos das adegas,
Que têm lá dentro as dornas e o lagar!

Que rudeza! Ao ar livre dos estios,
Que grande azáfama! Apressadamente
Como soava um martelar freqüente,
Véspera da saída dos navios!

Ah! Ninguém entender que ao meu olhar
Tudo tem certo espírito secreto!
Com folhas de saudades um objeto
Deita raízes duras de arrancar!

As navalhas de volta, por exemplo,
Cujo bico de pássaro se arqueia,
Forjadas no casebre duma aldeia,
São antigas amigas que eu contemplo!

Elas, em seu labor, em seu lidar,
Com sua ponta como a das podoas,
Serviam probas, úteis, dignas, boas,
Nunca tintas de sangue e de matar.

E as enxós de martelo, que dum lado
cortavam mais do que as enxadas cavam,
Por outro lado, rápidas, pregavam,
Duma pancada, o prego fasquiado!

O meu ânimo verga na abstração,
Com a espinha dorsal dobrada ao meio;
Mas se de materiais descubro um veio
Ganho a musculatura dum Sansão!

E assim - e mais no povo a vida é corna -
Amo os ofícios como o de ferreiro,
Com seu fole arquejante, seu braseiro,
Seu malho retumbante na bigorna!

E sinto, se me ponho a recordar
Tanto utensílio, tantas perspectivas,
As tradições antigas, primitivas,
E a formidável alma popular!

Oh! Que brava alegria eu tenho quando
Sou tal-qual como os mais! E, sem talento,
Faço um trabalho técnico, violento,
Cantando, praguejando, batalhando!

Os fruteiros, tostados pelos sóis,
Tinham passado, muita vez, a raia,
E, espertos, entre os mais da sua laia,
- Pobres campônios - eram uns heróis.

E por isso, com frases imprevistas,
E colorido e estilo e valentia,
As haciendas que há na Andalucía
Pintavam como novos paisagistas.

De como, às calmas, nessas excursões,
Tinham águas salobras por refrescos;
E amarelos, enormes, gigantescos,
Lá batiam o queixo com sezões!

Tinham corrido já na adusta Espanha,
Todo um fértil platô sem arvoredos,
Onde armavam barracas nos vinhedos,
Como tendas alegres de campanha.

Que pragas castelhanas, que alegrão
Quando contavam cenas de pousadas!
Adoravam as cintas encarnadas
E as cores, como os pretos do sertão!

E tinham, sem que a lei a tal obrigue,
A educação vistosa das viagens!
Uns por terra partiam a estalagens,
Outros, aos montes, no convés dum brigue!

Só um havia, triste e sem falar
Que arrastava a maior misantropia,
E, roxo como um fígado, bebia
O vinho tinto que eu mandava dar!

Pobre da minha geração exangue
De ricos! Antes, como os abrutados,
Andar com uns sapatos ensebados,
E ter riqueza química no sangue!...

Mas hoje a rústica lavoura, quer
Seja o patrão, quer seja o jornaleiro,
Que inferno! Em vão o lavrador rasteiro
E a filharada lidam, e a mulher!

Desde o princípio ao fim é uma maçada
De mil demônios! Torna-se preciso
Ter-se muito vigor, muito juízo
Para trazer a vida equilibrada!

Hoje eu sei quanto custam a criar
As cepas, desde que eu as podo e empo.
Ah! O campo não é um passatempo
Com bucolismos, rouxinóis, luar.

A nós tudo nos rouba e nos dizima:
O rapazio, o imposto, as pardaladas,
As osgas peçonhentas, achatadas,
E as abelhas que engordam na vindima.

E o pulgão, a lagarta, os caracóis,
E há inda, além do mais com que se ateima,
As intempéries, o granizo, a queima,
E a concorrência com os espanhóis.

Na venda, os vinhateiros de Almería
Competem contra os nossos fazendeiros.
Dão frutas aos leilões dos estrangeiros,
Por uma cotação que nos desvia!

Pois tantos contras, rudes como são,
Forte e teimoso, o camponês destrói-os!
Venham de lá pesados os comboios
E os "buques" estivados no porão!

Não, não é justo que eu a culpa lance
Sobre estes nadas! Puras bagatelas!
Nós não vivemos é de coisas belas,
Nem tudo corre como num romance!

Para a Terra parir há de ter dor,
E é para obter as ásperas verdades,
Que os agrônomos cursam nas cidades,
E, à sua custa, aprende o lavrador.

Ah! Não eram insetos nem as aves
Que nos dariam dias tão difíceis,
Se vós, sábios, na gente descobrísseis
Como se curam as doenças graves.

Não valem nada a cava, a enxofra, e o mais!
Dificultoso trato das searas!
Lutas constantes sobre as jornas caras!
Compras de bois nas feiras anuais!

O que a alegria em nós destrói e mata,
Não é rede arrastante de escalracho,
Nem é "suão" queimante como um facho,
Nem invasões bulbosas de erva-pata.

Podia ter secado o poço em que eu
Me debruçava e te pregava sustos,
E mais as ervas, árvores e arbustos
Que - tanta vez! - a tua mão colheu.

"Moléstia negra" nem charbon não era,
como um archote incendiando as parras!
Tão-pouco as bastas e invisíveis garras,
Da enorme legião do filoxera

Podiam mesmo, com o que contêm,
Os muros ter caído às invernias!
Somos fortes! As nossas energias
Tudo vencem e domam muito bem!

Que os rios, sim, que como touros mugem,
Transbordando atulhassem as regueiras!
Chorassem de resina as laranjeiras!
Enegrecessem outras com ferrugem!

As turvas cheias de novembro, em vez
Do nateiro sutil que fertiliza,
Fossem a inundação que tudo pisa,
No rebanho afogassem muita rês!

Ah! Nesse caso pouco se perdera,
Por isso tudo era um pequeno dano,
À vista do cruel destino humano
Que os dedos te fazia com cera!

Era essa tísica em terceiro grau,
Que nos enchia a todos de cuidado,
Te curvava e te dava um ar alado
Como quem vai voar dum mundo mau.

Era a desolação que inda nos mina
(Porque o fastio é bem pior que a fome)
Que a meu pai deu a curva que o consome,
E a minha mãe cabelos de platina.

Era a clorose, esse tremendo mal,
Que desertou e que tornou funesta
A nossa branca habitação em festa
Reverberando a luz meridional.

Não desejemos, - nós, os sem defeitos -,
Que os tísicos pereçam! Má teoria,
Se pelos meus o apuro principia,
Se a Morte nos procura em nossos leitos!

A mim mesmo, que tenho a pretensão
De ter saúde, a mim que adoro a pompa
Das forças, pode ser que se me rompa
Uma artéria, e me mine uma lesão.

Nós outros, teus irmãos, teus companheiros,
Vamos abrindo um matagal de dores!
E somos rijos como os serradores!
E positivos como os engenheiros!

Porém, hostis, sobressaltos, sós,
Os homens arquitetam mil projetos
De vitória! E eu duvido que os meus netos
Morram de velhos como os meus avós!

Porque, parece, ou fortes ou velhacos
Serão apenas os sobreviventes;
E há pessoas sinceras e clementes,
E troncos grossos com seus ramos fracos!

E que fazer se a geração decai!
Se a seiva genealógica se gasta!
Tudo empobrece! Extingue-se uma casta!
Morre o filho primeiro de que o pai!

Mas seja como for, tudo se sente
Da tua ausência! Ah! como o ar nos falta,
Ó flor cortada, susceptível, alta,
Que assim secaste prematuramente!

Eu que de vezes tenho o desprazer
De refletir no túmulo! E medito
No eterno Incognoscível infinito,
Que as idéias não podem abranger!

Como em paul em que nem cresça a junca
Sei de almas estagnadas! Nós absortos,
Temos ainda o culto pelos Mortos,
Esses ausentes que não voltam nunca!

Nós ignoramos, sem religião,
Ao rasgarmos caminho, a fé perdida,
Se te vemos ao fim desta avenida
Ou essa horrível aniquilação!...

E ó minha mártir, minha virgem, minha
Infeliz e celeste criatura,
Tu lembras-nos de longe a paz futura,
No teu jazigo, como uma santinha!

E enquanto a mim, és tu que substituis
Todo o mistério, toda a santidade,
Quando em busca do reino da verdade
Eu ergo o meu olhar nos céus azuis!


Tínhamos nós voltado à capital maldita

III

Tínhamos nós voltado à capital maldita,
Eu vinha de polir isto tranqüilamente,
Quando nos sucedeu uma cruel desdita,
Pois um de nós caiu, de súbito, doente.

Uma tuberculose abria-lhe cavernas!
Dá-me rebate ainda o seu tossir profundo!
E eu sempre lembrarei, triste, as palavras ternas,
Com que se despediu de todos e do mundo!

Pobre rapaz robusto e cheio de futuro!
Mas sei dum infortúnio imenso como o seu!
Viu o seu fim chegar como um medonho muro,
E, sem querer, aflito e atônito, morreu!...

De tal maneira que hoje, eu desgostoso e azedo
Com tanta crueldade e tantas injustiças,
Se ainda trabalho é como os presos no degredo,
Com planos de vingança e idéias insubmissas.

E agora, de tal modo a minha vida é dura,
Tenho momentos maus, tão triste, tão perversos,
Que sinto só desdém pela literatura,
E até desprezo e esqueço os meus amados versos!

Tenta curar-se tuberculose, mas sem sucesso; vem a falecer no dia 19 de Julho de 1886.
De poesia delicada, Cesário empregou técnicas impressionistas, com extrema sensibilidade ao retratar a cidade e o campo, que são os seus cenários predilectos. Evitou o lirismo tradicional, expressando da forma mais natural possível.


«O Livro de Cesário Verde»

Levado pela amizade fraternal pelo poeta, e ao mesmo tempo pelo desejo de estudar-lhe criticamente o escasso legado poético, Silva Pinto organizou «O Livro de Cesário Verde» (2) segundo um critério inteiramente pessoal, pois Cesário não deixara nem mesmo um esboço dele.

Silva Pinto arrasta o poeta para a boémia revolucionária no “Martinho” (3) das mesas espelhadas. Alto, magro, louro, activo, sensual, Cesário tem boa figura, seduzem-no e seduz mulheres, mas as que mais o fascinam são actrizes, a Luísa Cândida – do “Condes”, a Palmira de Souza – do “Variedades” e ainda a Tomásia Veloso, com quem, ao que parece, terá tido um romance.


O Martinho da Arcada
Lisboa

Fialho de Almeida descreve-o assim: “O tipo era seco, com uma ossatura poderosa, a pele de fêmea loura, rosada, de bom sangue, a cabeça pequena e grega, com uma testa magnífica, e feições redondas, onde os olhos amarelo-pardos de estátua, ligeiramente míopes, tinha a expressão profunda, rectilínea, longínqua, que a gente nota nos marítimos acostumados a interrogar o oceano por dilatadas extensões.”

E aí vem uma actriz, talvez a Tomásia, a saltitar por entre as obras de uma rua:

(...)
E aos outros eu admiro os dorsos, os costados
Como lajões. Os bons trabalhadores!
Os filhos das lezírias, dos montados;
Os das planícies, altos, aprumados;
Os das montanhas, baixos, trepadores!

Mas fina de feições, o queixo hostil, distinto,
Furtiva a tiritar em suas peles,
Espanta-me a actrizita que hoje pinto,
Neste Dezembro enérgico, sucinto,
E nestes sítios suburbanos, reles!

Como animais comuns, que uma picada esquente,
Eles, bovinos, másculos, ossudos,
Encaram-na, sanguínea, brutamente:
E ela vacila, hesita, impaciente

Sobre as botinhas de tacões agudos.

Porém, desempenhando o seu papel na peça,
Sem que inda o público a passagem abra,
O demonico arrisca-se, atravessa
Covas, entulhos, lamaçais, depressa
Com os seus pezinhos rápidos, de cabra!


Tentemos, ao menos neste dia, realizar o sonho de converter a vida num poema de amor e fraternidade. Boas leituras de poesia.

Saudações bibliófilas.


(1) Para comemorar este dia, a Fnac lança uma antologia com os melhores poemas de 2009, escolhidos por José Alberto Oliveira, José Tolentino Mendonça, Luis Miguel Queirós e Manuel de Freitas. com título: Resumo - a Poesia em 2009.

(2) Tiragem de apenas 200 exemplares numerados. Prefácio de Silva Pinto.

(3) O Martinho da Arcada nasceu de «A Casa das Neves», fundada em 1782, o nome actual só surgiu em 1845.
É um dos cafés-restaurantes mais antigos de Lisboa e entre as suas mesas cheias de histórias, a de Fernando Pessoa continua intacta, com a colher de chá que costumava usar e o copo de aguardente no mesmo lugar. Ele foi o cliente mais ilustre do Martinho, mas muitos outros passaram por ali: Bocage, Eça de Queirós, Cesário Verde, Columbano, Gago Coutinho, Duarte Pacheco...
Os moradores locais comentam que Pessoa pagava muitos de suas refeições com poemas, um deles presente no cardápio até hoje.
Situa-se em plena Praça do Comércio, no coração da cidade e é paragem obrigatória para sentir a alma de Lisboa.
Infelizmente está em risco de fechar as portas .. outros tempos outras mentalidades