"Se não te agradar o estylo,e o methodo, que sigo, terás paciência, porque não posso saber o teu génio, mas se lendo encontrares alguns erros, (como pode suceder, que encontres) ficar-tehey em grande obrigação se delles me advertires, para que emendando-os fique o teu gosto mais satisfeito"
Bento Morganti - Nummismologia. Lisboa, 1737. no Prólogo «A Quem Ler»

sábado, 2 de setembro de 2017

Victor Hugo na política – uma perspectiva à luz da época


Victor Hugo por Deveria
Musée Victor Hugo n.º 105


A partir de 1849, Victor Hugo dedica uma grande parte da sua obra à política sem, no entanto, desprezar a religião e a Filosofia humana e social.

Convém lembrar, que já em 1841, célebre e rico, fora eleito para a Academia Francesa, e que frequentava a corte das Tulherias.


Caricatura de Victor Hugo no ponto máximo de sua carreira política
por Honoré Daumier (1849)

Foi sempre um reformista e envolveu-se em política durante toda a sua vida. Mas se critica as misérias sociais, não adopta o discurso socialista da luta de classes. Pelo contrário, ele próprio viveu uma vida financeiramente confortável, construída com seus próprios esforços, tornando-se um dos escritores mais bem remunerados de sua época. Acreditava no direito do homem usufruir dos frutos do seu trabalho, embora reforçasse a responsabilidade que acompanha o enriquecimento pessoal. Desse modo, sempre buscou prosperar enquanto doava uma parte significativa de sua renda para diferentes obras de caridades.


Cartaz publicitário de Les Miserables de Victor Hugo

O seu principal romance, Les Misérables, narra a história de um self made-man, Jean Valjean, um sujeito que foge da prisão e reconstrói sua vida através do trabalho. Valjean monta uma empresa e, através dela, traz prosperidade para a sua região; além disso, usa a sua fortuna em obras de caridade para ajudar os pobres. As suas boas obras são interrompidas apenas quando um polícia - um agente do Estado - decide interferir arbitrariamente nas actividades privadas da sociedade civil.


Les Misérables de Victor Hugo
A narrativa começa em 1815 e evoca particularmente os acontecimentos
da insurreição republicana em Paris de junho de 1832.


VICTOR HUGO – Les Misérables. Paris, Bibliothèque Nouvelle Illustrée,

Este romance – Les Misérables – transmite, de certa forma, a filosofia política de Victor Hugo. É um mundo onde há cooperação - e não luta - entre as classes; onde o empreendedor desempenha uma função essencialmente benéfica para todos; onde o trabalho é a via principal de aprimoramento pessoal e social; onde a intervenção estatal por motivos moralistas - seja do policial ou do revolucionário obcecado pela justiça terrena - é um dos principais riscos para o bem de todos que será gerado espontaneamente pelos indivíduos privados.


Retrato de "Cosette" na pousada Thénardier
por Émile Bayard, da edição original de Les Misérables (1862)

Este romance conheceu rapidamente várias traduções.


I Miserabili di Victor Hugo [= les Misérables] (1890)
Litografia colorida de Tavio, Ottavio Rodella (1864-1910) com 106 x 76 cm
©Gallica | BNF

Mas o seu envolvimento mais intenso com a actividade política iniciar-se-ia com o seu apoio à Revolução de 1848 que depôs Luís Filipe I.


Luís Filipe I, rei de França

O facto de o rei ter enveredado por tendências conservadoras tornou-o impopular com os crescentes ideais republicanos, liberais e socialistas.

Os últimos anos de seu reinado viram-se ofuscados pela corrupção política e pela passividade nos assuntos internacionais.

A sua frágil base de apoio régio era afectada tanto pela sua ilegitimidade como pela sua não representatividade na massa total da nação francesa. Finalmente, perdeu o apoio tanto dos sectores democráticos como dos reaccionários.

A industrialização e o crescimento urbano deram novas características ao movimento republicano, e a crise económica de 1846 precipitou a Revolução de Fevereiro de 1848.

A burguesia industrial nomeadamente conseguiu o direito de sufrágio e a redução do censo eleitoral, os operários reclamavam a instauração de uma República e exigiam uma reforma. Com isso a revolta tinha uma petição com 5 milhões de assinaturas.


A família de Luís Filipe por Franz Xaver Winterhalter.
Da esquerda para a direita: a princesa Helena; os príncipes Roberto e Luís Filipe; as princesas Maria Carolina, Francisca, e Adelaide; os reis Leopoldo da Bélgica e Luís Filipe da França; os príncipes Luís, Alberto do Reino Unido e o Príncipe de Joinville; as rainhas Vitória do Reino Unido e Maria Amélia da França; os príncipes Pedro, Gastão, Luís, Príncipe de Condé e Fernando; as princesas Vitória e Margarida.

Os revoltosos combinaram diversas reuniões, entre as quais se destacou o banquete público da oposição de 22 de Fevereiro de 1848, que o governo tentou impedir que se realizasse. A burguesia afastou-se dos operários; contudo, estes, juntamente com artesãos e estudantes, concentraram-se no local combinado.

O apelo à rebelião foi lançado por adeptos do sufrágio universal, partidários de reformas sociais e uma minoria socialista, sob a liderança de Louis Blanc, que tinham conseguido escapar às autoridades.

Louis Jean Joseph Charles Blanc

Centenas de milhares de insatisfeitos com o desemprego, mas sem um programa político claro, descobriram que queriam derrubar o governo do rei Luís Filipe, de seus ministros e de todo o sistema económico que os enriquecia às custas dos trabalhadores.


François Pierre Guillaume Guizot
(Partido Orleanistas)

No dia seguinte, o centro de Paris estava cheio de barricadas que assustaram os burgueses moderados da oposição. O rei demitiu François Guizot na esperança de aplacar a revolta, mas a multidão voltou a protestar e, na madrugada do dia 24, foi atacada a tiros pela Guarda Nacional. Na fuzilaria morreram cerca de 500 pessoas. Os cadáveres foram colocados em carros iluminados por tochas e desfilaram pelo centro de Paris, alimentando a insurreição, dando início a uma luta aberta que se estendeu por toda a cidade. Soldados da Guarda Nacional, enviados para reprimir os manifestantes, uniram-se a eles.


Caricatura da Revolução de Fevereiro de 1848.

O governo ensaiou oferecer reformas de esquerda para controlar a rebelião que aumentava de proporções, mas já era tarde. Na manhã do dia 24 de Fevereiro, quando inspeccionava as tropas, o rei foi vaiada por elas. Os insurrectos controlavam os arsenais. À tarde, já corriam proclamações republicanas.


O povo no Palácio das Tulherias, 24 de Fevereiro de 1848.

Incapaz de reagir, a Luís Filipe só restava abdicar o trono. O rei viu-se então obrigado a abdicar em favor de seu neto Luís Filipe, conde de Paris, e a refugiar-se na Inglaterra, mas já era tarde demais.

O parlamento dissolveu-se. A Monarquia de Julho tinha sido destronada e nascia a Segunda República (1848-1852).


A Europa encontra-se numa profunda crise social. É proclamada a Segunda República Francesa
©Académie of Strasbourg.

O Governo provisório convocou eleições, as quais deram vitória aos candidatos da burguesia e dos latifundiários.

Em 25 de Fevereiro foi implantada a Segunda República, em resultado de uma expressiva manifestação; todavia, esta não veio a corresponder às aspirações dos operários que reclamavam uma reforma social. O sufrágio universal masculino foi estabelecido e por proposta dos socialistas, foi reduzida a jornada de trabalho de 12 para 10 horas diárias.


Membros principais do Governo Provisório de 1848: 
Blanc, Flocon, Crémieux, Marrast, Albert, Garnier-Pagès, Arago, Ledru-Rollin, l'Eure, Marie e Lamartine

Todos os políticos do novo governo eram parisienses e não possuíam experiência administrativa, ignorando o que ocorria nas províncias francesas, onde as linhas de caminho de ferro foram destruídas, castelos foram saqueados e agiotas espancados.

A inexperiência política do governo não satisfazia nem as reivindicações dos mais radicais nem as inquietações dos mais conservadores. Mas era principalmente a crise económica que agravava a inquietude de todos os operários. A falta de mercados para vender seus produtos, o aumento dos impostos, o marasmo económico, aliado às agitações políticas e à fraqueza e hesitação do governo, provocavam pesadelos no mundo dos negócios.

Diante do "perigo vermelho", a burguesia se preparou. Em 23 e 24 de Abril de 1848, ocorreram eleições para a formação de uma Assembleia Constituinte.


Assembleia Nacional Constituinte de 1848

O Governo Provisório cessou as suas funções e deu lugar a uma comissão executiva de cinco membros, onde de novo figurava Alphonse de Lamartine.


Alphonse Marie Louis de Prat de Lamartine

Victor Hugo é candidato às eleições de 1848, como se pode confirmar pelo documento abaixo onde defende os seus ideais e faz um apelo ao voto.







Trata-se de um documento  sob a forma de  folheto duplo, em que na página 1 vem sua profissão de fé, na página 2 um discurso e as páginas 3 e 4 constituem o boletim de voto encabeçado pelo seu nome.

Victor Hugo é eleito deputado representando os republicanos de Paris.

Os socialistas e os republicanos concorriam, mas faltava-lhes organização em nível nacional e sua influência estava quase que restrita a Paris. Já o Partido da Ordem, que representava todos os homens preocupados com a defesa da propriedade, tinha influência nacional, pois se apoiava nos notáveis das cidades e aldeias rurais da França, um imenso país de camponeses. O Partido da Ordem elegeu 700 deputados, alguns favoráveis à monarquia e outros republicanos moderados. Os republicanos radicais e os socialistas não conseguiram eleger nem 100 deputados.

 .


Barricadas nas ruas de Paris durante a Revolução de Junho de 1848.

Dominada pelo Partido da Ordem, a Constituinte passou a combater as ideias socialistas. Os socialistas, descontentes, reiniciaram as agitações. Em 22 de Junho de 1848 o governo tomou severas medidas para controlar e reprimir os operários, depois dos levantamentos comunistas de 15 de Maio. A dissolução da Comissão de Luxemburgo e, finalmente, o encerramento das Oficinas Nacionais - que empregavam 110 mil operários - provocaram uma forte contestação por parte dos operários fabris. Contra tais decisões Loius-Auguste Blanqui, líder socialista, comandou em Junho de 1848, as insurreições operárias de Paris.


Louis-Auguste Blanqui

Para tentar suprir o desacato ao poder a Assembleia Nacional Constituinte decretou estado de sítio e nomeou o ministro da Guerra, general Louis-Eugène Cavaignac, chefe do poder executivo, dando-lhe poderes ditatoriais para que este travasse a revolta popular. O general Cavaignac foi ajudado por forças vindas espontaneamente das províncias.


General Louis-Eugène Cavaignac

A Constituição foi finalmente promulgada em 12 de Novembro de 1848, estabelecendo a república presidencialista e o Legislativo unicamaral com base no sufrágio universal.


Xilogravura publicada na Illustrierte Zeitung mostrando as eleições de 1848 na França.
Dois rapazes lutam, um por Luís Napoleão e o outro, por Cavaignac.

O general Cavaignac foi apresentado como candidato às eleições presidenciais de 10 de Dezembro de 1848. Apesar de ter agido brutalmente contra os operários parisienses, por ser republicano convicto ele era suspeito ao Partido da Ordem, o mais organizado nacionalmente de todos os partidos.


Louis-Eugène Cavaignac, liderando o ataque sobre o proletariado de Paris, Junho de 1848.

No mesmo momento, surgia um "aventureiro", Luís Napoleão Bonaparte, sobrinho de Napoleão Bonaparte, que se apresentava como defensor da ordem e tinha um apelido conhecido e respeitado por milhões de franceses.

Por esta época, Victor Hugo, escreve artigos nos quais defende a candidatura do príncipe Luís Napoleão para a presidência da República.


Victor Hugo na tribuna da Assembleia Nacional 
(17 de Junho de 1851)

Os operários de Paris votaram nele para que o general Cavaignac não fosse eleito e os camponeses também o fizeram em homenagem ao tio, que havia garantido suas propriedades, quando o clero e a nobreza ameaçavam retomá-las. Assim, Luís Napoleão foi eleito com 5,5 milhões de votos contra 1,5 milhão de seu concorrente.

Eleito, Luís Bonaparte compõe um governo com legitimistas e orleanistas, afastando a burguesia liberal. Legitimistas – casa de Bourbon – ligados à grande propriedade, alto clero. Orleanistas – casa de Orléans – ligados à alta finança, grande indústria e comércio, ou seja, ao grande capital.  

Ao lado destes acontecimentos, Victor Hugo, preocupado com a miséria do povo, funda o jornal "L'Événement". A redacção é composta por dois filhos de Victor Hugo: Charles Hugo e François - Victor Hugo, pelos seus amigos, Paul Meurice e Auguste Vacquerie; e também por Alphonse Karr, Gérard de Nerval, Alexandre Dumas, pai e Alexandre Dumas, filho e ainda Champfleury. 


Victor Hugo (à direita) com os seus dois filhos, François (em pé) e Charles, em Jersey.
Retrato provavelmente em 1853.

Após as eleições de 1849, o jornal rompeu com os conservadores e lançou-se em violentas campanhas, particularmente contra a pena de morte, que lhe valeu a suspensão em Setembro de 1851.
A partir de 20 de Setembro, Hugo publica uma outra folha“l’Avènement du peuple”, com o editor-chefe, Auguste Vacquerie. Esta folha será suspensa logo após o golpe de estado de 2 de Dezembro de 1851.


O crime de 2 de Dezembro | Victor Hugo

[No século XIX já, os jornais satíricos foram confrontados com a censura, como no desenho de André Gill mostrando Victor Hugo perante a águia imperial de Napoleão III.

Este desenho era para aparecer em “La Lune rousse”, de 7 de Outubro de 1877, mas foi interdito. Em vez disso, a revista publica este anúncio: «Notre dessin refusé avait trait au nouveau livre de Victor Hugo. Il représentait le Maître en robe de juge, écrivant son œuvre sur un bronze où se lisait : Le crime du deux décembre, et mesurant du regard l’aigle de l’Empire étendu à ses pieds. La censure n’a pas voulu tolérer ce croquis dépourvu d’enthousiasme pour l’oiseau bonapartiste. C’est pourquoi nos lecteurs devront se contenter, pour aujourd’hui, d’une réclame à l’Eau Bazana, où la République, d’ailleurs, montre de belles dents. Amen ! - La Lune rousse.»

A imagem censurada (à direita) no entanto foi publicada em um offprint.]

O mandato do presidente francês era de quatro anos e a Constituição proibia a reeleição, pelo que em 1852, Luís Napoleão teria de deixar o poder, o que não era sua intenção.

Se bem que houvesse prestado juramento de fidelidade à Constituição, mandou prender e deportar (1851) personalidades republicanas e realistas. Em 2 de Dezembro de 1851, baixou um decreto declarando a dissolução da Assembleia Legislativa. Em 20 de Dezembro, procedeu a um plebiscito: 7.500.000 sufrágios ratificaram o Golpe de Estado.

Luís Napoleão ganhou poderes para elaborar uma nova Constituição, que o transformou num cônsul, como o tio, dando-lhe poder ditatorial por dez anos, e restabeleceu o sufrágio universal, entre outras medidas.

Uma tentativa de insurreição republicana contra o Golpe de Estado irrompeu em Paris. O levantamento foi brutalmente esmagado pelo exército. Por ironia, Karl Marx, dirigente socialista, chamou o golpe de 18 de Brumário de Luís Bonaparte numa alusão segundo a qual o sobrinho procurou imitar o tio.

Diz Marx: «Hegel observa em uma de suas obras que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira como tragédia, a segunda como farsa. Caussidière por Danton, Louis Blanc por Maximilien de Robespierre, a Montanha de 1845 pela Montanha (Jacobinos) de 1793, o sobrinho pelo tio».


 
Napoleão III, em foto com regalia imperial
(Óleo de Franz Xaver Winterhalter 1855. Palácio de Versailles)

Victor Hugo condena vivamente o golpe de Estado de 2 de Dezembro de 1851 e torna-se num decidido oponente, que condena vigorosamente por razões morais em Histoire d'un crime. Acaba por ser perseguido ao tentar organizar a resistência à ditadura de Napoleão III e refugia-se em Bruxelas, só retornando depois de dezoito anos, com a queda do Império.



VICTOR HUGO – Histoire d'un crime. Paris, Calmann Levy, 1877 1 volume in 8º de 317pages.Editionoriginale de la première partie d'histoire d'un crime.




Quelques rousseurs


Envoi signé de Hugo à Bienvenu Léon dit Touchatout

©Livres Luxe Books

Esta obra pode ser lida na íntegra em:: https://openlibrary.org/books/OL24195253M/Histoire_d%27un_crime



VICTOR HUGO – Histoire d'un crime. Déposition d'un témoin. Paris: CalmannLévy, 1877-1878. 2 volumes in-8 (237 x 155 mm). Imprimésurpeau de vélin. Enfeuilles, chemisesetétui de l'époque (manque l'étui du second volume, chemises et étui frottés).

ÉDITION ORIGINALE de ce violent réquisitoire contre le coup d'État, écrit dans les premiers jours de l'exil bruxellois et paru 25 ans plus tard. Ils'agit du récit, heure par heure, de la prise de pouvoir par Louis-Napoléon Bonaparte. Les deux volumes ont paru séparément, le premieren 1877 et le second en 1878. EXEMPLAIRE IMPRIMÉ SUR VÉLIN, TIRAGE NON MENTIONNÉ AU JUSTIFICATIF ET INCONNU DES BIBLIOGRAPHIES. Ils'agit peut-être ici d'un exemplaire spécialement réservé à l'auteur.

La collation correspond bien à celle donnée par Vicaire, mais les deux derniers feuillets du premier tome ne comportent pas l'annonce des ouvrages de Hugo; ils'agit d'un feuillet blanc et de la marque d'imprimeur.
Carteret Romantique I, 425; Vicaire IV, 353; Clouzot 93; Lhermitte 316. (2)

©Christie’s

Durante o Segundo Império, em oposição a Napoleão III, vive no exílio em Jersey, Guernsey e Bruxelas. É um dos únicos proscritos a recusar a amnistia decidida algum tempo depois: «Et s'il n'en reste qu'un, je serai celui-là» ("e se sobra apenas um, serei eu").

Durante o seu exílio visita o Luxemburgo por curtos períodos de um ou dois dias nos anos de 1862, 1863 e 1865; em 1871 reside em Vianden por um período de dois meses e meio como refugiado político.

O grande Napoleão e o pequeno Napoleão

Em 1852 escreveu uma obra que daria origem a um apelido depreciativo daquele dirigente francês: Napoléon le Petit.



VICTOR HUGO – Napoléon le petit. Londres &Bruxelles, Jeffs&Mertens, 1852, 10x15,5cm, relié.





Genuine Original edition. Bound in halfnavygrief, flat spinedecoratedwithromanticgoldirons, flat cartonembossedburgundy, reinforced corners vellum guards and contreplats of handmade paper, marbled edges, contemporary binding. Rare spots.

©Edition-Originale.com

Esta obra pode ser lida na íntegra em: https://archive.org/details/napolonlepeti00hugo




VICTOR HUGO – Actes et paroles. Avant l'exil 1841-1851. | Pendant l'exil 1852-1870. | Depuis l'exil 1870-1876. Paris, Michel Lévy frères, 1875-1876, 19x25cm, 3 volumes reliés.




Edition originale, mention de troisème édition pour les deux premiers volumes, de troisième édition pour le dernier.







Reliure en demi chagrin lie-de-vin, dos légèrement éclaircis à cinq nerfs orné de fleurons dorés, plats de papier marbré décolorés en pieds, contreplats et gardes de papier à la cuve, couvertures conservées.

Quelques petites rousseurs sans trop de gravité.

©Edition-Originale.com


Victor Hugo jovem

Actes et paroles - Avant l'exil é uma colectânea, publicada em 1875, de textos de Victor Hugo, escritos entre 1841 e 1851: discurso, declarações públicas, textos políticos para a Câmara dos Pares, a Assembleia Constituinte (1848), ou Assembleia Legislativa, entre 1849 e 1851. 
Estes textos, como indica o título, foram escritos anteriormente à partida para o exílio de Victor Hugo (1851-1870).


Exílio em Jersey (1853-55)

Actes et paroles - Pendant l'exil é uma colectânea, publicada em 1875, de textos de Victor Hugo: discursos, declarações públicas e textos (muitos deles publicados na imprensa) entre 1852 e 1870. 

Estas obras, como o título indica, foram escritas durante o exílio de Victor Hugo (1851-1870).


O regresso a França de Victor Hugo, caricatura de André Gill

Actes et paroles - Depuis l'exil é uma colectânea, publicada em 1876, de textos de Victor Hugo : discursos, declarações públicas, textos políticos destinados ao Senado escritos entre 1870 e 1876.

Estas obras, como o título indica, foram escritas, são posteriores ao regresso a França de Victor Hugo que se tinha exilado depois do golpe de estado de 2 de Dezembro de 1852 de Napoleão III.

Os 3 volumes da obra, em edição ilustrada de 1890, podem ser lidos na íntegra em: https://archive.org/details/actesetparolesav00hugo


Karl Marx em 1867.

Como já escrevi acima Karl Marx foi um outro autor contemporâneo que também se pronunciou e analisou o golpe de estado no seu livro O 18 de Brumário de Luís Bonaparte (em alemão: "Der achtzehnte Brumaire des Louis Bonaparte"), escrito entre Dezembro de 1851 e Março de 1852, e publicado originalmente na revista Die Revolution.


Parte da análise concreta dos acontecimentos revolucionários em França, entre 1848 e 1851, que levaram ao golpe de estado pelo qual Napoleão III se nomeou imperador, à semelhança de seu tio Napoleão I.


Der achtzehnte Brumaire des Louis Bonaparte

Obviamente, que as análises são divergentes, pois os campos políticos de ambos eram diferente – apenas coincidiam na oposição ao golpe.

Neste trabalho, são desenvolvidas as teses fundamentais do materialismo histórico: a teoria da luta de classes e da revolução proletária, a doutrina do Estado e da ditadura do proletariado. Destaca-se a conclusão de Marx sobre a questão da atitude do proletariado em relação ao Estado burguês: "Todas as revoluções aperfeiçoavam esta máquina em vez de a destruir". A questão campesinato como aliado da classe operária na revolução iminente, o papel dos partidos políticos na vida social e uma caracterização profunda da essência do bonapartismo são outros aspectos marcantes desta obra.


Karl Marx

Em Novembro de 1852, apoiado pela grande burguesia, convocou outro plebiscito, que, com 95% dos votos favoráveis, instituiu o império e transformou o príncipe-presidente Luís Napoleão em Imperador dos Franceses, com o título de Napoleão III.

Com o golpe, Bonaparte criou o Segundo Império Francês.

Em Janeiro de 1853, casou-se com a condessa espanhola Eugénia de Montijo. Da união nasceu, em 1856, Napoleão Eugénio, Príncipe Imperial.


A família Imperial, 1865.
(Postal francês do séc. XIX)

De 1852 a 1858, Napoleão III exerceu poder absoluto (Império Autoritário), limitando a oposição parlamentar e amordaçando a imprensa. A partir de 1860, cresceram as pressões liberais, e, de 1858 a 1867, algumas liberdades foram concedidas aos cidadãos; de 1867 a 1870, desenvolveu-se o regime que se chamou Império Liberal, que ampliou os poderes da Assembleia Legislativa e suspendeu as restrições às liberdades civis.

Apoiado pela burguesia, o clero e as forças armadas, o imperador, para obter o apoio dos trabalhadores, empreendeu grandes e numerosas obras públicas, especialmente em Paris, realizadas pelo prefeito Barão Georges-Eugène Haussmann; construiu ferrovias e casas populares; abriu canais; encorajou a agricultura, a indústria e o comércio; favoreceu as instituições de crédito; fundou sociedades de ajuda mútua e organizações de trabalhadores.


Napoleão III e as suas políticas

No exterior, Napoleão III, querendo exercer hegemonia na Europa, participou da Guerra da Crimeia (1854-1856) e presidiu o Congresso de Paris (1856), que assinalou o fim da guerra (derrota da Rússia), assumindo o papel de árbitro do continente.

Apoiou, a princípio, o Risorgimento, actuando com destaque nas lutas pela unificação italiana, voltando-se contra os austríacos, que reinavam sobre a região desde o Congresso de Viena. Pressionado, entretanto, pela violenta campanha dos católicos franceses, que protestavam contra o ataque aos Estados da Igreja e pela possibilidade da Prússia entrar no conflito em apoio ao imperador austríaco Francisco José, concluiu um tratado de paz com a Áustria em Villafranca em 1859. Em 1860, conquistou a Sabóia e Nice, graças ao apoio contra a Áustria.


Arquiduque Maximiliano (mais tarde imperador Maximiliano do México)
no Castelo de Miramare, Trieste, 1863

Com a grande influência da França, Napoleão III apoiou a construção do canal de Suez e protegeu os cristãos maronitas na Síria. 

Entre 1862 e 1867, Bonaparte interveio no México, numa guerra que arruinou as finanças francesas. As tropas francesas invadiram e prestaram apoio à oposição ao governo do México, derrubando o seu presidente Benito Juárez e organizaram no México uma nova estrutura política oferecendo o trono mexicano ao arquiduque Maximiliano da Áustria, que acabaria por ser destronado e posteriormente fuzilado.


A execução do Imperador Maximiliano do México,
 Édouard Manet, 1868.

Napoleão III firmou com o Reino Unido um tratado para a redução das tarifas alfandegárias, o que provocou a reacção dos industriais franceses e fundou instituições de crédito para desenvolver o país, mas a deterioração económica da França, somada à oposição do clero, dos industriais, da burguesia e do operariado descontente, levou-o a conceder o direito de greve em 1864.

Em 1867, chamou o líder da oposição para formar um novo ministério e, em 1868, permitiu a liberdade de imprensa e de reunião.

Caricatura retratando Napoleão III e Otto von Bismarck

Subestimando Bismarck, permitiu que o beligerante 'Telegrama de Ems' (versão adulterada por Bismarck de um telegrama do rei da Prússia que buscava justamente dar fim à crise) provocasse a guerra franco-prussiana (1870 - 1871), que trouxe a ruína do Segundo Império.


Batalha de Sedan – rendição de Napoleão III.

Capturado então em Sedan, em 2 de Setembro de 1870, pelos exércitos prussianos, assinou a capitulação da França.


Napoleão III conversando com Bismarck após sua derrota e captura em Sedan.

Dias depois, a Assembleia Nacional proclamou a sua deposição e, em Paris, foi proclamada a Terceira República Francesa.


Imperador Napoleão III com Imperatriz Eugenie e Príncipe Imperial 
(Camden Place, Chislehurst em 1872).

Foi então levado sob prisão para o Schloss Wilhelmshöhe, em Kassel, Alemanha, onde permaneceu entre 5 de Setembro de 1870 e 19 de Março de 1871, antes de seguir para o exílio em Chislehurst, Inglaterra, onde morreria em 9 de Janeiro de 1873.


A última fotografia feita de Napoleão III (1872).

Karl Marx critica em Victor Hugo o facto de se limitar à inventiva mordaz e subtil contra o responsável pelo golpe de estado. O acontecimento propriamente dito aparece na sua obra como um raio caído de um céu azul. Ele vê nele apenas o acto de força de um indivíduo, mas não percebe que engrandece, em vez de diminuir, esse mesmo indivíduo, atribuindo-lhe um poder pessoa de iniciativa sem paralelo na história do mundo.


Os últimos momentos de Napoléon le Petit
Thomas Beet/Londres, [1875]

Marx demonstra como a luta de classes na França criou as circunstâncias e condições que possibilitaram a uma personagem medíocre e grotesca desempenhar um papel de herói.
Victor Hugo desiludido, não aceita a política adoptada por quem ajudara a eleger.

É assim que, em 1851, lança um apelo à luta - «carregar o seu fuzil e ficar preparado» - que não é seguido. Mantém esta posição até 1870, quando começa a Guerra Franco-Prussiana; Hugo condena-a: «"guerra de capricho" e não de liberdade».


Cartaz publicitário ilustrando do romance “Histoire d’un crime”,
publicado por Victor Hugo, relativo os eventos de Dezembro de 1852, 1878.
Museu de Montmartre, Paris.

Com a deposição do império a guerra continua, desta vez contra a república; o argumento de Hugo em favor da fraternidade resta, ainda, sem resposta.

Regressa a Paris com a República e é eleito deputado da Assembleia Nacional em 1871, mas, traído nas suas antigas ideias e desgostoso, demite-se, abandonando a vida pública.

Em 17 de Setembro, publica um novo apelo ao levantamento de massa e à resistência. Os republicanos moderados ficam horrorizados: preferem Bismarck aos "socialistas"!

A população de Paris, no entanto, mobiliza-se e lê avidamente Les Châtiments.



HUGO, Victor – Les Châtiments. Nouvelle édition illustrée. Paris, Eugène Hugues, Editeur, rue Thérèse, 8, s.d. (1884). Paris, Typographie A. Quantin, rue St-Benoit, 7. 1 volume grand in-8 (28,7 x 20 cm) de (10)-335 pages.

Broché, couverture saumon illustrée (vignette sur le premier plat). Réclame pour l’édition Hugues des Œuvres de Victor Hugo (détails). Non rogné. Exemplaire sur papier de chine. Quelques légères colorations par endroit sur les deux plats de couverture. Infimes fendillements du papier de couverture au dos (brochage très solide). Absolument aucune rousseur.

Texte encadré d’un filet noir, les illustrations à pleine page sont comprises dans la pagination. Les dessins sont d’Emile Bayard, J.-P. Laurens, Férat, Méaulle, Chovin, H. Vogel, L. Benett, Charles Hugo, Victor Hugo, T. Schuler, Ferdinandus, A. Lançon, H. Daumier, Lix. D. Maillard, G. Vuillier, A. Marie Chapuis, L. Mouchot, et C. Guyot.


UN DES 50 EXEMPLAIRES SUR PAPIER DE CHINE (N°20).

L’édition définitive de ce texte a paru en 1880.


O seu radicalismo não o tornou um socialista mas, mesmo assim, apoiou a Comuna de Paris em 1871, embora criticamente.
A Comuna de Paris foi o primeiro governo operário da história, fundado em 1871 na capital francesa por ocasião da resistência popular ante a invasão por parte do Reino da Prússia.


Barricadas erguidas pelos communards em frente à Igreja da Madalena

A Comuna de Paris veio na sequência da insurreição popular de 18 de Março de 1871. Durante a guerra franco-prussiana, as províncias francesas elegeram para a Assembleia Nacional Francesa uma maioria de deputados monarquistas francamente favorável à capitulação ante a Prússia.

A Comuna de Paris Decreta: 
O alistamento obrigatório é abolido; a guarda nacional é a única força militar permitida em Paris;
 todos os cidadãos válidos fazem parte da guarda nacional.

A população de Paris, no entanto, opunha-se a essa política. Louis Adolphe Thiers, elevado à chefia do gabinete conservador, tentou esmagar os insurrectos. Estes, porém, com o apoio da Guarda Nacional, derrotaram as forças legalistas, obrigando os membros do governo a abandonar precipitadamente Paris, onde o comité central da Guarda Nacional passou a exercer sua autoridade.


Guilherme I foi coroado Imperador da Alemanha no Palácio de Versalhes.
Bismarck ao centro, de branco.

Apesar da evidente disposição do povo parisiense em resistir, a Assembleia de Versalhes acabou assinando a paz com os alemães. Num episódio humilhante, Guilherme I, o soberano alemão, foi coroado imperador do Segundo Reich na sala dos espelhos do Palácio de Versalhes.


Por sugestão do revolucionário Gustave Courbet,
as pedras da coluna de Vendôme derrubada
seriam utilizadas para a reconstrução do hotel de la Monnaie,
que na época servia de abrigo para inválidos.

A Comuna de Paris — considerada a primeira república proletária da história — adoptou uma política de carácter socialista, baseada nos princípios da Primeira Internacional dos Trabalhadores.

Coerente, Victor Hugo não podia ser comunista: "O significado da Comuna é imenso, ela poderia fazer grandes coisas, mas na verdade faz somente pequenas coisas. E pequenas coisas que são odiosas, é lamentável. Compreendam-me: sou um homem de revolução. Aceito, assim, as grandes necessidades, mas somente sob uma condição: que sejam a confirmação dos princípios e não o seu desrespeito. Todo o meu pensamento oscila entre dois pólos: civilização-revolução". "A construção de uma sociedade igualitária só será possível se for consequência de uma recomposição da sociedade liberal."

No entanto, diante da repressão que se abate sobre os communards, o poeta declara seu desgosto: «Alguns bandidos mataram 64 reféns. Replica-se matando 6000 prisioneiros!».


Cadáveres de communards.

E, quando a Comuna foi derrotada, registou o seu significado dizendo: “O cadáver está na terra, mas a ideia está de pé”.

Victor Hugo voltou à política para defender a República:
foi eleito senador em 1876, data esta ilustração,
onde ele é representado com os senadores de Paris.

Em 1876, é eleito senador.

E neste mesmo ano, como senador, fez uma intensa defesa da amnistia aos communards. Continuou a apoiar os trabalhadores franceses e a última reunião pública que dirigiu teve o objectivo de recolher recursos para que 126 delegados operários pudessem comparecer ao primeiro congresso socialista na França, realizado em Marselha.


Victor Hugo, caricatura de Carjat

Victor Hugo, no entanto, nunca aceitou o discurso socialista. Ele acreditava que uma sociedade aberta encontraria soluções para seus problemas. Mais que isso, ele era contra políticas de redistribuição de riquezas, pois o efeito dessas seria desincentivar a produção, fazendo com que toda a sociedade caminhasse para trás. Caso fosse permitida a liberdade de comércio, por outro lado, e caso se tolerasse algum grau de desigualdade social, o resultado - largamente comprovado pela história posterior - seria o progresso geral de todos, beneficiando inclusive os membros mais pobres da sociedade. Portanto, a defesa de uma ordem que permita o progresso é benéfica para todos, e não para uma classe específica.


Victor Hugo (1802-1885).

Ele mesmo escreveu: «O comunismo e o agrarianismo acreditam que resolveram este segundo problema [da distribuição de renda], mas estão enganados: a distribuição destrói a produtividade. A repartição em partes iguais mata a ambição e, por consequência, o trabalho. É uma distribuição de açogueiros, que mata aquilo que reparte. Portanto, é impossível tomar essas pretensas soluções como princípio. Destruir riqueza não é distribuí-la».

Victor Hugo escritor

Penso ter deixado algumas, das muitas pistas possíveis, para uma compreensão do pensamento social e político de Victor Hugo, mas acima de tudo, da sua frontalidade e verticalidade como cidadão para além do grande escritor que foi.

Nunca deixou de afirmar bem alto as suas ideias e de lutar por elas acarretando com todos os dissabores que essas mesmas atitudes lhe iriam acarretar, mas sempre coerente com os seus ideais.

Saudações bibliófilas.

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