"Se não te agradar o estylo,e o methodo, que sigo, terás paciência, porque não posso saber o teu génio, mas se lendo encontrares alguns erros, (como pode suceder, que encontres) ficar-tehey em grande obrigação se delles me advertires, para que emendando-os fique o teu gosto mais satisfeito"
Bento Morganti - Nummismologia. Lisboa, 1737. no Prólogo «A Quem Ler»

sábado, 19 de junho de 2010

Morreu Saramago!




José Saramago

"Hoje, sexta-feira, 18 de Junho, José Saramago faleceu às 12h30 na sua residência de Lanzarote, aos 87 anos de idade, em consequência de uma múltipla falha orgânica, após uma prolongada doença (1). O escritor morreu estando acompanhado pela sua família, despedindo-se de uma forma serena e tranquila", lê-se num comunicado da Fundação Saramago.


José Saramago

Este dia ficará marcado pelo desaparecimento de um homem vertical e de caracter afável mas sempre coerente consigo mesmo.

Quem teve o privilegio de com ele privar, mesmo o cidadão ou leitor comum, sentia a sua capacidade de comunicar e a sua grande sensibilidade humana

Os portugueses perderam um grande escritor, um dos maiores do século XX, as Letras perderam um artista da palavra escrita e escritor de renome mundial que torna a sua obra património de toda a humanidade.

Alguns daqueles que foram seus detractores hoje louvam-no com rasgados elogios ... a memória é curta como acontece sempre nestes momentos.

Pode gostar-se ou não de Saramago como pessoa, pode-se gostar ou não de Saramago como escritor ... não se pode é ficar indiferente perante a sua obra!
Como singela homenagem nesta data triste para nós portugueses, mas também para a comunidade literária internacional, deixo aqui o que sobre ele escreveu Maria Alzira Seixo (2), pois nunca conseguiria expressar com tanto rgor este quadro:


Maria Alzira Seixo

"O essencial da nossa atenção, (...), concentrar-se-á, (...) sobre os escritos que compõem Deste Mundo e do Outro e A Bagagem do Viajante. Costuma dizer o autor, referindo-se à relação que as crónicas entretecem com a sua restante obra, que «está lá tudo»; e, com efeito, quase tudo, pelo menos, parece já lá estar. Não só no que diz respeito à temática: a relação identidade/alteridade; a articulação entre o homem e a terra; o projecto humano e a sua transposição, ou transcendência; a concepção do homo viator e a sua incidência temporal; não só também no que diz respeito à constelação de motivos preferenciais que preenchem essa temática: a água, a embarcação, a estrela, o silêncio, a pedra, o rumor - mas também nas atitudes dominantes: cepticismo radical no limite do desengano em fulgurações entretecido por um ilimitado entusiasmo na capacidade de construção humana, no projecto que é o sonho; mas também ainda na frase tensa que não se fecha completamente à irrupção lírica, na mordacidade que não exclui a ternura, na ironia que quase sempre traz a cumplicidade do afago.


A arte da palavra escrita

Estes dois livros, de leitura fascinante, põem-se em contacto com esse tempo essencial que a crónica assume (simultaneamente fragmentado e intenso, dada a brevidade contida de cada texto) - «descobre-se que só violentamente se enchem os dias da vida. E então todo o passado aparece sob uma nova iluminação» DMO, 126 -, percebido por uma sensibilidade, toda olhos e inteligência, que capta o sentido das coisas - «Aqui só se fala de simplezas quotidianas, pequenos acontecimentos, leves fantasias» ou «de verdades que parecem mentiras», B.V., 56- e que se afina de muito perto pela do leitor, quer em atitude de sincronia quer em atitude de provocação - «travo o mais que posso para não me estatelar no tom da gravidade cúmplice, entre cronista e leitor que alguma coisa viveram e que, por isso mesmo, não se tomam demasiadamente a sério», DMO, 79- relatando factos, não tanto pelo amor do relato, mas para fazer vibrar as coisas, o seu sentido, a sua visão, a nossa passagem por elas e o abrir delas em nós, num estado de permanente reconsideração e de descoberta, na abertura de todos os possíveis ao outro lado deles - «cair da tarde (...) gosto de andar pelas ruas da cidade, distraído para os que me conhecem, agudamente atento para todo o desconhecido, como se procurasse decididamente outro mundo», B.V., 99.

Que campos cobrem as crónicas de José Saramago? Os da actualidade (parte-se por vezes de uma notícia nos jornais); os da memória (regressa-se à infância, suas marcas, suas recordações, suas nostalgias); os do ambiente (evoca-se a cidade, outras cidades conhecidas, o campo, os vários tipos de ruralidade); os da tipologia humana (o amola-tesouras, o cego do harmónio, os frequentadores de café, etc., etc.); os de sugestão frásica e vocabular (um verso, uma frase - a sua capacidade evocativa poderão ser matéria para uma crónica); os da cultura (domínio da arte, vultos de escritores, leituras, etc.); miúdas situações do quotidiano anónimo; efabulações de tipo onírico que hesitam entre a vocação para um destinatário infantil e uma acentuada propensão do escritor para os domínios do maravilhoso e do fantástico que mais tarde veremos concretizar-se melhor na sua restante obra. (...)"


José Saramago

A ministra da Cultura, Gabriela Canavilhas, parte ao final da tarde desta sexta-feira para Lanzarote, num avião militar C-295, para ir buscar o corpo do escritor, em representação do Governo português.

Na sexta-feira,  o corpo de José Saramago vai estar em câmara ardente, a partir das 17h00 (hora portuguesa) na biblioteca José Saramago, localizada em Tías, na ilha espanhola de Lanzarote onde o escritor residia desde 1993.

Os restos mortais de José Saramago devem chegar às 12h45 de amanhã ao aeroporto de Figo Maduro, em Lisboa.

O corpo de José Saramago vai ser velado, a partir de sábado, no Salão Nobre da Câmara Municipal de Lisboa, onde permanecerá até às 12h00 de domingo, saindo depois para Cemitério do Alto de São João, para ser cremado.

Depois das cerimónias fúnebres em Lisboa, as cinzas do escritor poderão ser repartidas entre a sua terra natal, Azinhaga no Ribatejo, e, outra parte enterrada junto a uma oliveira no jardim do que foi a sua casa em Tías, Lanzarote.


José Saramago
Prémio Nobel da Literatura 1998

José Saramago foi galardoado com o Prémio Nobel da Literatura em 1998. Deixa uma vasta obra onde se incluem géneros distintos.

Publicou o seu primeiro livro em 1944 e esteve quase duas décadas sem voltar a publicar. Em 1966 reaparece no panorama literário com um conjunto de poemas.
Conquistou leitores, prémios e distinções em todo o mundo. Uma das suas obras, 'Ensaio sobre a Cegueira' foi adaptado ao grande ecrã pela mão do realizador brasileiro Fernando Meireles. Em Portugal, os seus textos constam nos programas oficiais de Língua Portuguesa nos liceus.


Casados Bicos
Sede da Fundação José Saramago

Criou a Fundação José Saramago, que ocupa a Casa dos Bicos por cedência da Câmara Municipal de Lisboa.

Contrariando o que aqui se escreveu, mas já foi largamente referido pela imprensa, as cinzas de José Saramago ficarão em Lisboa.


Último adeus a Saramago
(Aspecto do Salão Nobre
dos Paços do Concelho de Lisboa)

Com efeito, na mensagem que leu no Salão Nobre dos Paços do Concelho, António Costa, Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, recordou a ligação de Saramago à cidade de Lisboa, onde viveu, trabalhou, tendo presidido à Assembleia Municipal. O autarca sublinhou ainda que:

"Lisboa foi uma das personagens mais queridas, mais amadas, em toda a sua obra".
(...)
"As cinzas de José Saramago descansarão na cidade de Lisboa, mas a sua obra é uma obra que é património de toda a humanidade e a sua mensagem, o seu desassossego, continuarão a desinquietar-nos e a desinquietar todos aqueles que lerem a sua obra".


António Costa, Presidente da Câmara de Lisboa,
com o vereador Ruben de Carvalho,
no velório a José Saramago

António Costa revelou o desejo de apresentar a cidade de Lisboa como última morada ao Prémio Nobel da Literatura, depois de ontem Pilar del Rio, viúva do escritor, ter esclarecido que as cinzas de Saramago iam ficam em Portugal, onde "pudesse de vez em quando depositar uma flor".

O local mais previsível é o Panteão Nacional, onde já repousam outras dez ilustres figuras nacionais.

No entanto, esta deposição das cinzas do escritor só pode ocorrer um ano após a sua morte e por proposta da Assembleia da República.


Saudações bibliófilas

(1) O escritor sofria de leucemia e há várias semanas que não saía de casa.

(2) SEIXO, Maria Alzira- O Essencial sobre José Saramago, Lisboa, Imprensa Nacional- Casa da Moeda, 1987, págs. 15-17.

3 comentários:

Fernanda Rocha Mesquita disse...

Eu fui e sou apreciadora de muita coisa que ele escreveu e admirei a irreverencia e frontalidade. E como diz gostar ou nao da pessoa, fica ao criterio de cada um mas dedicou muito tempo para nos deixar as suas obras. bom fim de semana.

Tambem apreciei o artigo em baixo sobre Moita Flores.

Rui Martins disse...

De facto Saramago não nos deixa indiferente perante a sua escrita.
Soube sempre ser frontal e coerente consigo mesmo. O que não acontece com muitos daqueles que hoje lhe rendem homenagem.
Claro que tem obras de que gosto mais e outros que não me dizem grande coisa ... o que é natural!
Mas a sua obra perdurará muito para além da sua morte.
Tem admiradores em todo o mundo que saberão preservar a imagem do homem integro e do escritor brilhante que o foi de facto.

Obrigado pelo seu comentário ... e bom fim de semana.

Galderich disse...

Cuando oí que había muerto Saramago pensé en ti. Una pérdida para las letras portuguesas... y las letras en general.

Un fuerte abrazo.