"Se não te agradar o estylo,e o methodo, que sigo, terás paciência, porque não posso saber o teu génio, mas se lendo encontrares alguns erros, (como pode suceder, que encontres) ficar-tehey em grande obrigação se delles me advertires, para que emendando-os fique o teu gosto mais satisfeito"
Bento Morganti - Nummismologia. Lisboa, 1737. no Prólogo «A Quem Ler»

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Graciliano Ramos – Apontamentos para uma biografia


Para Fabiano Cataldo Azevedo
um professor que o soube ser
o meu agradecimento


Graciliano Ramos

‘‘Só posso escrever o que sou. E se os personagens se comportam de modos diferentes, é porque não sou um só.’’ - Graciliano Ramos (1892-1953)


Graciliano Ramos
(Assinatura)

Graciliano Ramos nasceu no dia 27 de Outubro de 1892, na cidade de Quebrangulo, sertão de Alagoas, primogênito dos dezesseis filhos que tiveram os seus pais, Sebastião Ramos de Oliveira e Maria Amélia Ferro Ramos. uma família de classe média do sertão nordestino.

Passou a sua infância nas cidades de Viçosa, Palmeira dos Índios (AL) e Buíque (PE), sob o regime das secas e das “surras” que lhe eram aplicadas por seu pai, o que o fez alimentar, desde cedo, a idéia de que todas as relações humanas são regidas pela violência.

Em 1894, a família muda-se para Buíque (PE), onde o escritor aprende as primeiras letras.

Em 1904, a família retorna ao Estado de Alagoas e reside em Viçosa. Lá, Graciliano cria um pequeno jornal dedicado às crianças, o "Dilúculo". Posteriormente, redige o jornal "Echo Viçosense", que tinha entre seus redactores o seu mentor intelectual, Mário Venâncio.


Estado de Alagoas - municípios

Em 1905 vai para Maceió, onde frequenta, durante pouco tempo, o Colégio Quinze de Março, dirigido pelo professor Agnelo Marques Barbosa.


Com o suicídio de Mário Venâncio, em Fevereiro de 1906, o "Echo" deixa de circular.

Graciliano publica na revista carioca "O Malho" os seus primeiros sonetos sob o pseudônimo de Feliciano de Olivença.

Em 1909, passa a colaborar com o "Jornal de Alagoas", de Maceió, publicando o soneto "Céptico" sob o pseudônimo de Almeida Cunha. Até 1913, nesse jornal, usa outros pseudônimos: S. de Almeida Cunha, Soares de Almeida Cunha e Lambda, este último só usado em trabalhos de prosa. Até 1915 colabora com "O Malho", usando alguns dos pseudônimos citados e, também. o de Soeiro Lobato.

Em 1910, responde a inquérito literário promovido pelo “Jornal de Alagoas”, de Maceió. Em Outubro desse ano, muda-se para Palmeira dos Índios, onde passa a residir.

Passa a colaborar com o "Correio de Maceió", em 1911, sob o pseudônimo de Soares Lobato.

Em 1914, embarca para o Rio de Janeiro (RJ) no vapor "Itassuoê". Nesse ano e parte do ano seguinte, trabalha como revisor de provas tipográficas nos jornais cariocas "Correio da Manhã", "A Tarde" e "O Século". Colaborando com o "Jornal de Alagoas" e com o fluminense "Paraíba do Sul", sob as iniciais R.O. (Ramos de Oliveira).

Volta a Palmeira dos Índios, depois da morte de três irmãos, vitimados pela peste bubónica, em meados de 1915, onde trabalha como jornalista e comerciante. Casa-se com Maria Augusta Ramos.

Sua esposa falece em 1920, deixando quatro filhos menores.


Palmeira dos Índios (Alagoas)

Em 1927, é eleito prefeito da cidade de Palmeira dos Índios, cargo no qual é empossado em 1928. Ao escrever o seu primeiro relatório ao governador Álvaro Paes, “um resumo dos trabalhos realizados pela Prefeitura de Palmeira dos Índios em 1928”, publicado pela Imprensa Oficial de Alagoas em 1929, a verve do escritor revela-se ao abordar assuntos rotineiros de uma administração municipal. No ano seguinte, 1930, volta o então prefeito Graciliano Ramos com um novo relatório ao governador que, ainda hoje, não se pode ler sem um sorriso nos lábios, tal a forma “sui generis” como é apresentado. Segundo uma das suas auto-descrições, "(...) Quando prefeito de uma cidade do interior, soltava os presos para construírem estradas."

Dois anos depois, renuncia ao cargo de prefeito e muda-se para a cidade de Maceió, onde é nomeado director da Imprensa Oficial e director da Instrução Pública do Estado.

Casa-se com Heloísa Medeiros. Colabora com jornais com o pseudónimo de Lúcio Guedes.

Demite-se do cargo de director da Imprensa Oficial e volta a Palmeira dos Índios, onde funda urna escola no interior da sacristia da igreja Matriz e inicia os primeiros capítulos do romance “São Bernardo”.

O ano de 1933 marca o lançamento de seu primeiro livro – "Caetés" – que já era portador do pessimismo que marcará toda a sua obra. Graciliano começara este romance em 1925. Os relatórios da prefeitura que escrevera no período de 1929-30 chamaram a atenção de Augusto Schmidt, editor do Rio de Janeiro, que o animou a publicar este romance.

No ano seguinte, publica "São Bernardo". Ano em que também faleceu o seu pai em Palmeira dos Índios.


Graciliano Ramos
(aproximadamente 1932)

Em Março de 1936, acusado — sem que a acusação fosse formalizada — foi preso na sequência das perseguições desencadeadas por Getúlio Vargas após a Intentona Comunista de Novembro de 1935. É demitido, preso em Maceió primeiro acaba por ser enviado para o Recife, onde embarca com destino ao Rio de Janeiro no navio "Manaus". com mais 115 presos políticos.

“Quando o prenderam em 1936, em Maceió, Graciliano não era membro do partido comunista. Possivelmente, pelo que se pode inferir das Memórias, e também de Angústia, ele seria procurado por alguns dentre os pouquíssimos membros do partido na capital alagoana. Homem culto, ateu, Graciliano, como afirma em resposta aos já mencionados quesitos, odiava a burguesia e o capitalismo.

Mas não participava de acções políticas práticas. Sua prisão foi inteiramente arbitrária, própria do ambiente da época, imediatamente posterior ao esmagamento dos levantes da Aliança Nacional Libertadora de novembro de 1935. Não é improvável que o escritor tivesse sido vítima de calúnias, de delações de pessoas atropeladas por sua integridade, no exercício das funções de prefeito de Palmeira dos Índios e de director da Instrução Pública do Governo de Alagoas.” (1)

O país encontrava-se sob a ditadura de Vargas e do poderoso chefe da Polícia Política coronel Filinto Müller. No período em que esteve preso no Rio, até janeiro de 1937, passou pelo Pavilhão dos Primários da Casa de Detenção, pela Colônia Correccional de Dois Rios (na Ilha Grande), voltou à Casa de Detenção e, por fim, pela Sala da Capela de Correcção.

Com ajuda de amigos, entre os quais José Lins do Rego, consegue publicar “Angústia” em Agosto de 1936. Considerada por muitos críticos como sua melhor obra. é agraciado, nesse mesmo ano, com o prêmio "Lima Barreto", concedido pela "Revista Acadêmica".

Foi libertado em janeiro de 1937 e começa a trabalhar em jornais do Rio de Janeiro. As experiências da cadeia, entretanto, ficariam gravadas numa obra publicada postumamente, “Memórias do Cárcere” (1953), relato franco dos desmandos e incoerências da ditadura a que estava submetido o Brasil.


José Dumont, Carlos Vereza (Graciliano Ramos) e Waldir Onofre
no filme “Memórias de Cárcere” de Nelson Pereira Santos

Em Maio desse ano, a "Revista Acadêmica" dedica-lhe uma edição especial, o número 27 - ano III, com treze artigos sobre o autor. Recebe o "prêmio Literatura Infantil", do Ministério da Educação, com "A terra dos meninos pelados".

Em 1938, publica seu romance mais conhecido e aclamado "Vidas Secas". No ano seguinte é nomeado Inspector Federal do Ensino Secundário no Rio de Janeiro.


Graciliano Ramos - Vidas Secas
(Ilustração de uma família de retirantes)

Em 1940, frequenta assiduamente a sede da revista "Diretrizes", com Álvaro Moreira, Joel Silveira, José Lins do Rego e outros "conhecidos comunistas e elementos de esquerda", como consta da sua ficha na polícia política.

Traduz "Memórias de um negro", do americano Booker T. Washington, publicado pela Editora Nacional, S. Paulo.

Publica uma série de crônicas sob o título "Quadros e Costumes do Nordeste" na revista "Política", do Rio de Janeiro.

Em 1942, recebe o prêmio "Felipe de Oliveira" pelo conjunto de sua obra, por ocasião do jantar comemorativo dos seus 50 anos. O romance "Brandão entre o mar e o amor", escrito em parceria com Jorge Amado, José Lins do Rego, Aníbal Machado e Rachel de Queiroz é publicado pela Livraria Martins, S. Paulo.

1943 é marcado pelo falecimento de sua mãe, Maria Amélia Ferro Ramos, em Palmeira dos Índios.


Graciliano na Livraria José Olympio
Rio de Janeiro -1942

Lança, em 1944, o livro de literatura infantil "Histórias de Alexandre". O seu livro "Angústia" é traduzido e publicado no Uruguai.

Em 1945 ingressou no antigo Partido Comunista do Brasil (PCB) de que era secretário-geral Luís Carlos Prestes.

“Em 1945, o partido comunista ganhou estatuto legal e Graciliano filiou-se a ele juntamente com uma constelação de astros da cultura brasileira. Não poucos, nos anos seguintes, afastaram-se do partido. Graciliano permaneceu militante comunista até a morte.” (1)

Nos anos seguintes, realiza algumas viagens à Rússia e outros países do bloco socialista, com a segunda esposa Heloísa Medeiros Ramos, Neste ano são lançados "Dois dedos" e o livro de memórias "Infância".


Graciliano Ramos - Infância
(Ilustração de Darcy Penteado)

O escritor Antônio Cândido publica, nessa época, uma série de cinco artigos sobre a obra de Graciliano no jornal "Diário de São Paulo", a que o autor responde por carta. Conjunto que daria origem ao livro "Ficção e Confissão".

Em 1946, publica "Histórias Incompletas", que reúne os contos de "Dois dedos", o conto inédito "Luciana", três capítulos de "Vidas Secas" e quatro capítulos de "Infância".

Os contos de "Insônia" são publicados em 1947.

O livro "Infância" é também traduzido e publicado no Uruguai em 1948.

Traduz, em 1950, o famoso romance "A Peste", de Albert Camus, cujo lançamento se dá nesse mesmo ano pela José Olympio.


Graciliano Ramos
Retrato por Hélio Pólvora

Em 1951, é eleito presidente da Associação Brasileira de Escritores, lugar para o qual será reeleito em 1952. O livro "Sete histórias verdadeiras", extraídas do livro "Histórias de Alexandre", é publicado.

Em Abril de 1952, viaja na companhia de sua segunda esposa, Heloísa Medeiros Ramos, à Checoslováquia e Rússia, onde teve alguns de seus romances traduzidos. Visita, também, a França e Portugal. Visitas que descreve no livro “Viagem” publicado já postumamente (1954).

Adoeceu gravemente em 1952. A 16 de Junho, regressa já enfermo. Decide ir a Buenos Aires, Argentina, onde se submete a tratamento de cancro do pulmão, em Setembro desse ano. É operado, mas os médicos não lhe dão muito mais tempo de vida.

Graciliano era um fumador inveterado, pois fumava cerca de três maços por dia. Referia mesmo que uma das suas grandes preocupações, enquanto esteve preso, era arranjar “aprovisionamento” regular de tabaco

“Creio que nunca vi Graciliano sem um cigarro entre os dedos, cigarro de fumo forte. Em resposta a uma série de quesitos (Auto-retrato aos 56 anos, por João Condé), informou que fumava três maços por dia. Morreu de câncer do pulmão e cabe supor que em consequência do vício. Nas Memórias, são numerosas as referências à preocupação com a reserva de cigarros, com o estoque disponível, como será possível adquiri-los, enfrentando as condições adversas da vida de prisioneiro.” (1)


Graciliano Ramos

Na passagem de seus sessenta anos é lembrada em sessão solene no Salão Nobre da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, em sessão presidida por Peregrino Júnior, da Academia Brasileira de Letras. Sobre a sua obra e a sua personalidade falaram Jorge Amado, Peregrino Júnior, Miécio Tati, Heraldo Bruno, José Lins do Rego e outros. Em seu nome, falou sua filha Clara Ramos.

Em Janeiro do ano seguinte, 1953, é internado na Casa de Saúde e Maternidade S. Vítor, onde vem a falecer, vitimado pelo cancro do pulmão, no dia 20 de Março.

Já depois da sua morte, é publicado o livro "Memórias do Cárcere", que Graciliano não chegou a concluir, pelo que ficou sem o capítulo final.

Postumamente, são publicados, alguns já referidos, "Viagem" (1954), "Linhas tortas", "Viventes das Alagoas" e "Alexandre e outros heróis" (1962), e "Cartas" (1980), uma colectânea da sua correspondência, “O Estribo de Prata” (1984); “Cartas à Heloísa” (1992) e “Um Cinturão” (2000).

Os seus livros "São Bernardo" e "Insônia" são publicados em Portugal, em 1957 e 1962, respectivamente. O livro "Vidas Secas" recebe o prêmio "Fundação William Faulkner", na Virginia, USA.

Em 1963, no 10º aniversário da morte de “Mestre Graça”, como era conhecido pelos amigos, é lembrado com as exposições "Retrospectiva das Obras de Graciliano Ramos", em Curitiba (PR), e "Exposição Graciliano Ramos", realizada pela Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

Em 1965 publica-se o seu romance "Caetés" em Portugal.


Graciliano Ramos Caetés
Europaa-América – Portugal
Livros de Bolso n.º 390

O seus livros "Vidas Secas" e "Memórias do Cárcere" são adaptados para o cinema por Nelson Pereira dos Santos, em 1963 e 1983, respectivamente. O filme "Vidas Secas" obtém os prêmios "Catholique International du Cinema" e "Ciudad de Valladolid" (Espanha). Leon Hirszman dirige "São Bernardo", em 1980.

Em 1970, "Memórias do Cárcere" é finalmente publicado em Portugal. (2)

Como remate deste artigo, proponho esta última leitura, que saiu publicado no jornal “O Globo”, sobre este escritor, e que me foi enviado por um amigo do Brasil, que demonstra o que acontece muito frequentemente com os artistas, sejam eles escritores ou de outra arte qualquer.

"Graciliano Ramos morreu pobre. Doente. Não conheceu a glória em vida, como Machado de Assis. É bem verdade que, nos meios literários, sempre foi muito respeitado, especialmente pela crítica especializada, que nunca lhe poupou elogios. Quanto ao público leitor em geral, porém, a coisa nem sempre foi assim. As edições de suas obras eram em número normal, jamais alcançando as cifras de Jorge Amado ou de um José Lins do Rego. Seriam, por isso, talvez menos importantes os seus livros em relação aos de seus companheiros de geração? Absolutamente. Vários fatores contribuíram para esse estado de coisas - a própria vida do romancista, a perseguição durante a ditatura Vargas, seu temperamento fechado, arredio, uma certa visão sarcástica da vida e dos homens, a qual fornece uma das constantes dessa obra admirável!.

Depois de morto, Graciliano Ramos iria conhecer a glória, se isso é possível. Com a adoção de "Vidas Secas" pelas escolas, como livro de texto, o romancista teria toda a sua obra reeditada continuamente, alcançando verdadeiros recordes de tiragens. [...]" (3)


 
Bibliografia activa:

Caetés (1933) (Prémio Brasil de Literatura);
São Bernardo (1934);
Angústia (1936);
Vidas Secas (1938);
A Terra dos Meninos Pelados (1939);
Brandão Entre o Mar e o Amor (1942);
Histórias de Alexandre (1944);
Infância (1945);
Histórias Incompletas (1946);
Insônia (1947);
Memórias do Cárcere, póstuma (1953);
Viagem, póstuma (1954);
Linhas Tortas, póstuma (1962);
Viventes das Alagoas, póstuma (1962);
Alexandre e outros Heróis, póstuma (1962);
Cartas, póstuma (1980);
O Estribo de Prata, póstuma (1984);
Cartas à Heloísa, póstuma (1992);
Um Cinturão (2000).

Com este artigo inicio um estudo sobre a personalidade e a obra deste grande escritor brasileiro.
Após a abordagem da sua biografia, seguir-se-á um estudo da sua obra.


Saudações bibliófilas.


(1) GORENDER, Jacob – Graciliano Ramos: lembranças tangenciais. “Estudos Avançados” 9 (23).1995. pág. 323-331.

(2) Com a “abertura marcelista”, e sobretudo após as “eleições de 1969”. alguns "títulos subversivos" de autores brasileiros começaram a ser editados, como é o caso deste.

(3) BAIRÃO, Reynaldo, Jornal “O Globo”, 23-5-76, pág. 8.

Sem comentários: